Don
Closson
Introdução
Uma crítica comum ao
Cristianismo, presente nos campi das
faculdades hoje, é de que suas idéias ou ensinamentos centrais eram dependentes
da filosofia e das idéias religiosas gregas. Não é raro para um estudante ouvir
de um professor que o Cristianismo não é nada mais do que uma estranha
combinação do culto hebraico de Jeová, de conceitos adotados das religiões
gregas de mistério populares na época, e de uma pitada de idéias do pensamento
filosófico grego. Esta crítica ao Cristianismo tradicional não é nova. Na
verdade, seu apogeu esteve no final de 1800 até 1940 e coincide com o que agora
é chamado de movimento da História das Religiões. Este grupo de teólogos e
historiadores acusava Paulo de agregar idéias gregas à sua formação hebraica e,
no processo, criar uma nova religião: uma religião que nem Jesus nem Seus
primeiros discípulos reconheceriam.
A origem do Cristianismo foi
dependente das idéias religiosas e filosóficas gregas existentes? Essa questão
depende de como alguém está usando a palavra “depender”. O filósofo Ron Nash
argumenta que a dependência pode ser fraca ou forte, e que a diferença é vital.
Uma dependência forte significaria que a idéia a respeito de Jesus morrendo e
ressuscitando como deus-salvador nunca teria ocorrido aos primeiros crentes se primeiro
não tivessem conhecimento delas no pensamento pagão. Isto seria admitir que Paulo
e outros cristãos novos passaram a crer que Cristo era um Deus-homem
ressuscitado que fez um sacrifício expiatório pelos pecados do mundo por causa
de idéias pagãs. Provar uma dependência forte do Cristianismo sobre o
pensamento grego seria muito prejudicial para aqueles que mantêm uma visão superior
da Escritura.
Uma dependência fraca implica em
que os seguidores de Jesus usaram terminologia religiosa comum da época a fim
de serem entendidos pela cultura grega e hebraica que os rodeava. Isto não
apresenta nenhum problema para uma visão superior da Escritura. Como diz Nash,
“... a mera presença de paralelos no pensamento e na linguagem não prova
qualquer dependência no sentido forte”.(1) Nash e outros argumentam que só se
pode demonstrar ter existido uma dependência fraca entre o pensamento religioso
grego e o Evangelho de Cristo.
Neste artigo consideraremos argumentos
contra as alegações de dependência forte feitos pelo movimento da História das
Religiões e pelos críticos modernos. Especificamente, compararemos a teologia
do apóstolo Paulo com idéias presentes nas religiões gregas de mistério
populares durante o período da igreja primitiva.
Embora essas idéias raramente apareçam
nas discussões do dia-a-dia, cristãos que entram no mundo acadêmico dos nossos
campi universitários se beneficiariam do tempo empregado na compreensão deste
assunto. Nas mãos de um professor hostil ao Cristianismo, verdades parciais e semelhanças
exageradas entre o Cristianismo e as religiões de mistério podem esmagar um
jovem incauto. Estar ciente acerca desses argumentos contra o pensamento
cristão nos prepara para darmos uma resposta a todo aquele que questionar a
esperança que temos em Cristo.
Argumentos contra o Ponto-de-vista de uma
Dependência Forte sobre as Religiões de Mistério
Anteriormente notamos que o
movimento da História das Religiões alegava que o pensamento cristão tivera uma
dependência forte e direta das religiões de mistério. Embora alguns estudiosos
concordassem com esta visão, muitos não concordavam. Um bom exemplo é o famoso
historiador alemão Adolf von Harnack, que escreveu:
Devemos
rejeitar a mitologia comparativa que encontra conexão causal entre cada coisa e
tudo o mais ... Por tais métodos pode-se tornar Cristo em um deus sol num
piscar de olhos, ou inventar as lendas relacionadas ao nascimento de qualquer
deus concebível, ou pegar todos os tipos de pombas mitológicas para que façam companhia
à pomba batismal ... a varinha da ‘religião comparada’ triunfantemente elimina
todas as características espontâneas em qualquer religião.(2)
Quais eram as características
básicas das religiões de mistério? O ciclo anual da vegetação geralmente estava
no centro desses cultos. Profundo significado era dado aos conceitos de
crescimento, morte, corrupção e renascimento. O culto de Elêusis e sua
divindade central, Deméter, divindade do solo e da agricultura, é um exemplo.
As religiões de mistério também tinham cerimônias secretas e ritos de iniciação
que separavam seus membros do mundo exterior. Toda religião de mistério alegava
compartilhar conhecimento secreto acerca da divindade. Este conhecimento seria
comunicado em cerimônias clandestinas muitas vezes ligadas a um rito
iniciático. O foco deste conhecimento não estava em um conjunto de verdades
reveladas a serem compartilhadas com o mundo, mas em conhecimento superior
secreto a ser guardado dentro do círculo de crentes.
No centro de cada religião
estava um mito em que a divindade voltava à vida após a morte, ou então
triunfava sobre os seus inimigos. Como explica certo estudioso, o mito “apelava
primariamente para as emoções e visava a produzir efeitos místicos e psíquicos
pelos quais o neófito poderia experimentar a exaltação de uma nova vida”.(3)
Por outro lado, os mistérios não diziam respeito tanto à doutrina ou crença
correta, e sim ao estado emocional dos seguidores. O objetivo dos crentes era
uma experiência mística que os levasse a crer que haviam alcançado a união com
o seu deus.
Os diversos movimentos
religiosos presentes em todo o Império Romano não estavam unidos em doutrina ou
prática, e mudaram dramaticamente ao longo do tempo. Qualquer impacto que
possam ter tido sobre o Cristianismo deve ser avaliado pelo espaço de tempo em
que as religiões se enfrentaram. Ao comparar os sistemas religiosos, o filósofo
Ronald Nash alerta que é aconselhável ter cuidado para não usar uma linguagem
descuidada. Ele diz: “Frequentemente encontramos estudiosos que primeiro usam
terminologia cristã para descrever crenças e práticas pagãs e então se
maravilham com os paralelos impressionantes que pensam ter encontrado”.(4)
E se alguém lhe dissesse que a
raiz da teologia neotestamentária de Paulo estava nas obscuras religiões gregas
de mistério, em lugar de sua educação judaica e seu encontro com Jesus Cristo?
Isto é exatamente o que o movimento da História das Religiões argumentava no
final do século 19. Muitos estudiosos ainda ensinam que a descrição de Paulo sobre
Jesus morrendo e ressuscitando como salvador nunca teria ocorrido sem a
presença das religiões de mistério. A seguir, continuaremos a considerar os
argumentos contra o que poderia ser chamada de “visão da dependência forte”.
Fraquezas na Visão da Dependência Forte
O primeiro argumento contra esta
visão é a falácia lógica da falsa causa. Esta
falácia ocorre quando alguém argumenta que, só porque duas coisas existem lado
a lado, uma deve ser a causa da outra. Como escreveu certo teólogo, a escola da
História das Religiões tinha a tendência de “converter paralelos em influências
e influências em fontes”.(5) Conexão causal é bem mais difícil de provar do que
proximidade. O mero fato de que outras religiões possam ter tido um deus que morreu
e então voltou à vida de alguma forma não significa que esta fosse a fonte das
idéias cristãs, ainda que se possa demonstrar que os apóstolos conheciam este
outro conjunto de crenças.
Alguns estudiosos, hostis ao
Cristianismo, tendem a exagerar, ou inventar, similaridades entre o
Cristianismo e as religiões de mistério. O estudioso britânico Edwyn Bevan
escreve:
É
claro que se alguém escreve uma representação imaginária dos mistérios órficos
... completando as grandes lacunas no quadro deixado pelos nossos dados acerca da
Eucaristia cristã, ele produz algo muito impressionante. Sobre este plano, você
primeiro veste os elementos cristãos, e em seguida hesita em encontrá-los
ali.(6)
Um exemplo poderia ser a prática
do taurobolium no culto de Cibele ou
da Grande Mãe. Alguns alegam que este rito de iniciação, no qual o sangue de um
touro sacrificado é derramado sobre um neófito, é a fonte do batismo no
Cristianismo. Argumentos têm sido feitos de que a linguagem “sangue do
cordeiro” (Apocalipse 7:14), e “sangue de Jesus” (1 Pedro 1:2) foi tomada da
linguagem do taurobolium e do criobolium, no qual um cordeiro era
morto. Na verdade, pode-se formar um argumento melhor, de que o culto tomou a
sua linguagem da tradição cristã.
O culto de Cibele só usou o taurobolium no segundo século a.D.; a
melhor evidência disponível para datar a prática situa a sua origem por volta
de cem anos após Paulo ter escrito suas epístolas.(7) O estudioso alemão Gunter
Wagner assinala que não havia nenhuma noção de morte e ressurreição na prática do
culto.
Após notar a mudança no
significado que o taurobolium sofreu
ao longo do tempo, o estudioso Robert Duthoy escreve:
É
óbvio que esta alteração no taurobolium deveu-se ao Cristianismo, quando
consideramos que, por volta de 300 a.D., este havia se tornado o grande competidor
das religiões pagãs, e era conhecido de todos.(8)
Mais Fraquezas na Visão da Dependência Forte
Um argumento simples mas
poderoso contra a probabilidade de que Paulo tivesse se voltado para o
pensamento pagão em busca de sua teologia era a sua educação estritamente judaica.
Em Filipenses 3:5, Paulo se orgulhou de ser um hebreu de hebreus. Ele havia
estudado sob Gamaliel, o mestre mais celebrado do mais ortodoxo dos partidos
judaicos, os fariseus. E, em Colossenses, ele adverte contra o mesmo
sincretismo de que está sendo acusado de propor. De acordo com Bruce Metzger:
(Com)
respeito ao próprio Paulo, os estudiosos estão uma vez mais reconhecendo que o
conjunto da mente do Apóstolo predominante era rabinicamente orientado, e que a
sua recém-fundada fé cristã correu nos moldes anteriormente formados aos pés de
Gamaliel.(9)
Não encontramos acusações no
Novo Testamento acerca de Paulo incorporando pensamento pagão em sua teologia,
nem ele se defende contra tais alegações.
A própria natureza dos cultos de
mistério, com o panteão conflitante de divindades e seres míticos, torna
altamente improvável que o monoteísmo estrito e o corpo de doutrinas encontrado
no Novo Testamento seja a sua fonte. Embora as religiões de mistério se movessem
no sentido de promover um deus solar acima de todos os outros, esta mudança
aconteceu após 100 a.D., tarde demais para impactar a teologia do Novo
Testamento.
Deveria também ser notado que o
Cristianismo primitivo era uma religião exclusivista, enquanto os cultos de
mistério, não. Alguém poderia ser iniciado no culto de Ísis ou Mitra sem abandonar
suas crenças anteriores. Contudo, para ser batizado na igreja alguém teria de
renunciar a todos os outros deuses e salvadores. Este era um novo desenvolvimento
no mundo antigo. Machen escreve: “Em meio ao sincretismo prevalecente do mundo
greco-romano, a religião de Paulo, assim como a religião de Israel, permanece
absolutamente sozinha”.(10)
A religião de Paulo estava
fundamentada em eventos reais. As religiões de mistério, não. Elas se baseavam
em dramas escritos para prender os corações e paixões dos homens. O estudioso
reformado Herman Ridderbos escreve:
Ao
passo que Paulo fala da morte e ressurreição de Cristo e a coloca no meio da
história, como um evento que aconteceu diante de muitas testemunhas ... os
mitos dos cultos, em contraste, não podem ser datados; eles aparecem em todos
os tipos de variações, e não fornecem nenhuma concepção clara. Em suma, eles
revelam a eterna imprecisão característica dos verdadeiros mitos. Assim os
mitos dos cultos ... não são nada além de representações de eventos anuais da
natureza, nos quais não se deve encontrar nada da voluntariedade moral,
significado substitutivo redentivo, que para Paulo é o conteúdo da morte e
ressurreição de Cristo.(11)
A seguir concluiremos com
argumentos adicionais contra o uso de Paulo das religiões de mistério.
Conclusão
O escritor muçulmano Yousouf
Saleem Chishti escreve que as doutrinas da divindade de Cristo e da expiação
são ensinos pagãos que vêm do apóstolo Paulo, não do Próprio Cristo.(12) Ele
declara que “a doutrina cristã da expiação foi grandemente colorida pela
influência das religiões de mistério, especialmente o Mitraísmo, que tinha o
seu próprio filho de Deus e virgem Mãe, e a crucificação e ressurreição pela
expiação dos pecados da humanidade, e finalmente sua ascensão ao sétimo
céu”.(13) Estas doutrinas foram algo que Paulo compôs ou emprestou? O que Jesus
ensinou com respeito à expiação?
Primeiro, tanto Jesus como Paulo
ensinaram que o Cristianismo era o cumprimento do Judaísmo. Em Mateus 5:17,
Jesus disse que Ele veio cumprir a lei e o ensino dos Profetas, não aboli-los.
Em Colossenses (2:16-17), Paulo escreve que os códigos religiosos do Antigo
Testamento eram meramente um prenúncio das coisas que viriam, e que a nova
realidade se encontra em Cristo. Tanto Cristo como Paulo ensinaram a
necessidade da expiação com sangue pelo pecado. Jesus declarou que: “Porque
mesmo o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, e dar a Sua
vida em resgate por muitos” (Marcos 10:45). Na Última Ceia Ele acrescentou:
“Este é o meu sangue do concerto, que é derramado por muitos pelo perdão dos
pecados” (Mateus 26:28). Paulo afirmou os ensinos de Cristo quando escreveu:
“Nele nós temos a redenção pelo seu sangue, o perdão dos pecados, conforme as
riquezas da graça de Deus” (Efésios 1:7). Vinculando a doutrina com o Antigo
Testamento, Paulo escreveu: “Cristo, nosso cordeiro pascoal, foi sacrificado”
(1 Coríntios 5:7).
As idéias de que Jesus era o
Filho de Deus, nascido de uma virgem, morrendo na cruz, e sendo ressuscitado,
dificilmente são idéias exclusivas de Paulo. Elas se encontram nos primeiros
escritos cristãos e são defendidas consistentemente para onde a fé tenha se
difundido. Os paralelos entre o Cristianismo e o Mitraísmo alegados por Chishti
são difíceis de avaliar ou confirmar. Ele não nos dá referências como evidência
em favor das similaridades.(4) Outros estudiosos que têm considerado o problema
descobrem que a maioria das similaridades desaparecem sob uma inspeção
cuidadosa. Onde elas ocorrem, pode-se argumentar que o Mitraísmo tomou idéias
do Cristianismo, ao invés do contrário. Bruce Metzger escreve: “Não se deve
assumir acriticamente que os mistérios sempre influenciaram o Cristianismo,
pois não apenas é possível, mas provável que, em certos casos, a influência se
moveu na direção oposta”.(15)
Aqueles que acham o Cristianismo
difícil de aceitar têm apresentado muitas razões para isto. A alegação de que
as doutrinas do Cristianismo tiveram forte dependência das religiões de
mistério permanece em solo instável e deve ser totalmente investigada antes que
alguém rejeite as boas novas dos escritores do Novo Testamento.
Notas
- Ronald
Nash, The Gospel And The Greeks, (Probe Books: Dallas, TX,
1992), 18.
- Ibid, 118.
- Ibid, 124.
- Ibid, 126.
- Ibid, 193.
- Ibid.
- Ibid, 154.
- Ibid, 155.
- Ibid, 196.
- Ibid, 197.
- Ibid. 198.
- Normal
Geisler, Baker Encyclopedia of Christian Apologetics, (Baker
Books, 1999), 490.
- Ibid.
- Ibid. 492.
- Nash, 198.
©2003 Probe Ministries.
Tradução: Rodrigo Reis de Faria
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