domingo, 29 de julho de 2012

Paulo e as Religiões de Mistério


Don Closson


Introdução

Uma crítica comum ao Cristianismo, presente nos campi das faculdades hoje, é de que suas idéias ou ensinamentos centrais eram dependentes da filosofia e das idéias religiosas gregas. Não é raro para um estudante ouvir de um professor que o Cristianismo não é nada mais do que uma estranha combinação do culto hebraico de Jeová, de conceitos adotados das religiões gregas de mistério populares na época, e de uma pitada de idéias do pensamento filosófico grego. Esta crítica ao Cristianismo tradicional não é nova. Na verdade, seu apogeu esteve no final de 1800 até 1940 e coincide com o que agora é chamado de movimento da História das Religiões. Este grupo de teólogos e historiadores acusava Paulo de agregar idéias gregas à sua formação hebraica e, no processo, criar uma nova religião: uma religião que nem Jesus nem Seus primeiros discípulos reconheceriam.

A origem do Cristianismo foi dependente das idéias religiosas e filosóficas gregas existentes? Essa questão depende de como alguém está usando a palavra “depender”. O filósofo Ron Nash argumenta que a dependência pode ser fraca ou forte, e que a diferença é vital. Uma dependência forte significaria que a idéia a respeito de Jesus morrendo e ressuscitando como deus-salvador nunca teria ocorrido aos primeiros crentes se primeiro não tivessem conhecimento delas no pensamento pagão. Isto seria admitir que Paulo e outros cristãos novos passaram a crer que Cristo era um Deus-homem ressuscitado que fez um sacrifício expiatório pelos pecados do mundo por causa de idéias pagãs. Provar uma dependência forte do Cristianismo sobre o pensamento grego seria muito prejudicial para aqueles que mantêm uma visão superior da Escritura.

Uma dependência fraca implica em que os seguidores de Jesus usaram terminologia religiosa comum da época a fim de serem entendidos pela cultura grega e hebraica que os rodeava. Isto não apresenta nenhum problema para uma visão superior da Escritura. Como diz Nash, “... a mera presença de paralelos no pensamento e na linguagem não prova qualquer dependência no sentido forte”.(1) Nash e outros argumentam que só se pode demonstrar ter existido uma dependência fraca entre o pensamento religioso grego e o Evangelho de Cristo.

Neste artigo consideraremos argumentos contra as alegações de dependência forte feitos pelo movimento da História das Religiões e pelos críticos modernos. Especificamente, compararemos a teologia do apóstolo Paulo com idéias presentes nas religiões gregas de mistério populares durante o período da igreja primitiva.

Embora essas idéias raramente apareçam nas discussões do dia-a-dia, cristãos que entram no mundo acadêmico dos nossos campi universitários se beneficiariam do tempo empregado na compreensão deste assunto. Nas mãos de um professor hostil ao Cristianismo, verdades parciais e semelhanças exageradas entre o Cristianismo e as religiões de mistério podem esmagar um jovem incauto. Estar ciente acerca desses argumentos contra o pensamento cristão nos prepara para darmos uma resposta a todo aquele que questionar a esperança que temos em Cristo.

Argumentos contra o Ponto-de-vista de uma Dependência Forte sobre as Religiões de Mistério

Anteriormente notamos que o movimento da História das Religiões alegava que o pensamento cristão tivera uma dependência forte e direta das religiões de mistério. Embora alguns estudiosos concordassem com esta visão, muitos não concordavam. Um bom exemplo é o famoso historiador alemão Adolf von Harnack, que escreveu:

Devemos rejeitar a mitologia comparativa que encontra conexão causal entre cada coisa e tudo o mais ... Por tais métodos pode-se tornar Cristo em um deus sol num piscar de olhos, ou inventar as lendas relacionadas ao nascimento de qualquer deus concebível, ou pegar todos os tipos de pombas mitológicas para que façam companhia à pomba batismal ... a varinha da ‘religião comparada’ triunfantemente elimina todas as características espontâneas em qualquer religião.(2)

Quais eram as características básicas das religiões de mistério? O ciclo anual da vegetação geralmente estava no centro desses cultos. Profundo significado era dado aos conceitos de crescimento, morte, corrupção e renascimento. O culto de Elêusis e sua divindade central, Deméter, divindade do solo e da agricultura, é um exemplo. As religiões de mistério também tinham cerimônias secretas e ritos de iniciação que separavam seus membros do mundo exterior. Toda religião de mistério alegava compartilhar conhecimento secreto acerca da divindade. Este conhecimento seria comunicado em cerimônias clandestinas muitas vezes ligadas a um rito iniciático. O foco deste conhecimento não estava em um conjunto de verdades reveladas a serem compartilhadas com o mundo, mas em conhecimento superior secreto a ser guardado dentro do círculo de crentes.

No centro de cada religião estava um mito em que a divindade voltava à vida após a morte, ou então triunfava sobre os seus inimigos. Como explica certo estudioso, o mito “apelava primariamente para as emoções e visava a produzir efeitos místicos e psíquicos pelos quais o neófito poderia experimentar a exaltação de uma nova vida”.(3) Por outro lado, os mistérios não diziam respeito tanto à doutrina ou crença correta, e sim ao estado emocional dos seguidores. O objetivo dos crentes era uma experiência mística que os levasse a crer que haviam alcançado a união com o seu deus.

Os diversos movimentos religiosos presentes em todo o Império Romano não estavam unidos em doutrina ou prática, e mudaram dramaticamente ao longo do tempo. Qualquer impacto que possam ter tido sobre o Cristianismo deve ser avaliado pelo espaço de tempo em que as religiões se enfrentaram. Ao comparar os sistemas religiosos, o filósofo Ronald Nash alerta que é aconselhável ter cuidado para não usar uma linguagem descuidada. Ele diz: “Frequentemente encontramos estudiosos que primeiro usam terminologia cristã para descrever crenças e práticas pagãs e então se maravilham com os paralelos impressionantes que pensam ter encontrado”.(4)

E se alguém lhe dissesse que a raiz da teologia neotestamentária de Paulo estava nas obscuras religiões gregas de mistério, em lugar de sua educação judaica e seu encontro com Jesus Cristo? Isto é exatamente o que o movimento da História das Religiões argumentava no final do século 19. Muitos estudiosos ainda ensinam que a descrição de Paulo sobre Jesus morrendo e ressuscitando como salvador nunca teria ocorrido sem a presença das religiões de mistério. A seguir, continuaremos a considerar os argumentos contra o que poderia ser chamada de “visão da dependência forte”.

Fraquezas na Visão da Dependência Forte

O primeiro argumento contra esta visão é a falácia lógica da falsa causa. Esta falácia ocorre quando alguém argumenta que, só porque duas coisas existem lado a lado, uma deve ser a causa da outra. Como escreveu certo teólogo, a escola da História das Religiões tinha a tendência de “converter paralelos em influências e influências em fontes”.(5) Conexão causal é bem mais difícil de provar do que proximidade. O mero fato de que outras religiões possam ter tido um deus que morreu e então voltou à vida de alguma forma não significa que esta fosse a fonte das idéias cristãs, ainda que se possa demonstrar que os apóstolos conheciam este outro conjunto de crenças.

Alguns estudiosos, hostis ao Cristianismo, tendem a exagerar, ou inventar, similaridades entre o Cristianismo e as religiões de mistério. O estudioso britânico Edwyn Bevan escreve:

É claro que se alguém escreve uma representação imaginária dos mistérios órficos ... completando as grandes lacunas no quadro deixado pelos nossos dados acerca da Eucaristia cristã, ele produz algo muito impressionante. Sobre este plano, você primeiro veste os elementos cristãos, e em seguida hesita em encontrá-los ali.(6)

Um exemplo poderia ser a prática do taurobolium no culto de Cibele ou da Grande Mãe. Alguns alegam que este rito de iniciação, no qual o sangue de um touro sacrificado é derramado sobre um neófito, é a fonte do batismo no Cristianismo. Argumentos têm sido feitos de que a linguagem “sangue do cordeiro” (Apocalipse 7:14), e “sangue de Jesus” (1 Pedro 1:2) foi tomada da linguagem do taurobolium e do criobolium, no qual um cordeiro era morto. Na verdade, pode-se formar um argumento melhor, de que o culto tomou a sua linguagem da tradição cristã.

O culto de Cibele só usou o taurobolium no segundo século a.D.; a melhor evidência disponível para datar a prática situa a sua origem por volta de cem anos após Paulo ter escrito suas epístolas.(7) O estudioso alemão Gunter Wagner assinala que não havia nenhuma noção de morte e ressurreição na prática do culto.

Após notar a mudança no significado que o taurobolium sofreu ao longo do tempo, o estudioso Robert Duthoy escreve:

É óbvio que esta alteração no taurobolium deveu-se ao Cristianismo, quando consideramos que, por volta de 300 a.D., este havia se tornado o grande competidor das religiões pagãs, e era conhecido de todos.(8)

Mais Fraquezas na Visão da Dependência Forte

Um argumento simples mas poderoso contra a probabilidade de que Paulo tivesse se voltado para o pensamento pagão em busca de sua teologia era a sua educação estritamente judaica. Em Filipenses 3:5, Paulo se orgulhou de ser um hebreu de hebreus. Ele havia estudado sob Gamaliel, o mestre mais celebrado do mais ortodoxo dos partidos judaicos, os fariseus. E, em Colossenses, ele adverte contra o mesmo sincretismo de que está sendo acusado de propor. De acordo com Bruce Metzger:

(Com) respeito ao próprio Paulo, os estudiosos estão uma vez mais reconhecendo que o conjunto da mente do Apóstolo predominante era rabinicamente orientado, e que a sua recém-fundada fé cristã correu nos moldes anteriormente formados aos pés de Gamaliel.(9)

Não encontramos acusações no Novo Testamento acerca de Paulo incorporando pensamento pagão em sua teologia, nem ele se defende contra tais alegações.

A própria natureza dos cultos de mistério, com o panteão conflitante de divindades e seres míticos, torna altamente improvável que o monoteísmo estrito e o corpo de doutrinas encontrado no Novo Testamento seja a sua fonte. Embora as religiões de mistério se movessem no sentido de promover um deus solar acima de todos os outros, esta mudança aconteceu após 100 a.D., tarde demais para impactar a teologia do Novo Testamento.

Deveria também ser notado que o Cristianismo primitivo era uma religião exclusivista, enquanto os cultos de mistério, não. Alguém poderia ser iniciado no culto de Ísis ou Mitra sem abandonar suas crenças anteriores. Contudo, para ser batizado na igreja alguém teria de renunciar a todos os outros deuses e salvadores. Este era um novo desenvolvimento no mundo antigo. Machen escreve: “Em meio ao sincretismo prevalecente do mundo greco-romano, a religião de Paulo, assim como a religião de Israel, permanece absolutamente sozinha”.(10)

A religião de Paulo estava fundamentada em eventos reais. As religiões de mistério, não. Elas se baseavam em dramas escritos para prender os corações e paixões dos homens. O estudioso reformado Herman Ridderbos escreve:

Ao passo que Paulo fala da morte e ressurreição de Cristo e a coloca no meio da história, como um evento que aconteceu diante de muitas testemunhas ... os mitos dos cultos, em contraste, não podem ser datados; eles aparecem em todos os tipos de variações, e não fornecem nenhuma concepção clara. Em suma, eles revelam a eterna imprecisão característica dos verdadeiros mitos. Assim os mitos dos cultos ... não são nada além de representações de eventos anuais da natureza, nos quais não se deve encontrar nada da voluntariedade moral, significado substitutivo redentivo, que para Paulo é o conteúdo da morte e ressurreição de Cristo.(11)

A seguir concluiremos com argumentos adicionais contra o uso de Paulo das religiões de mistério.

Conclusão

O escritor muçulmano Yousouf Saleem Chishti escreve que as doutrinas da divindade de Cristo e da expiação são ensinos pagãos que vêm do apóstolo Paulo, não do Próprio Cristo.(12) Ele declara que “a doutrina cristã da expiação foi grandemente colorida pela influência das religiões de mistério, especialmente o Mitraísmo, que tinha o seu próprio filho de Deus e virgem Mãe, e a crucificação e ressurreição pela expiação dos pecados da humanidade, e finalmente sua ascensão ao sétimo céu”.(13) Estas doutrinas foram algo que Paulo compôs ou emprestou? O que Jesus ensinou com respeito à expiação?

Primeiro, tanto Jesus como Paulo ensinaram que o Cristianismo era o cumprimento do Judaísmo. Em Mateus 5:17, Jesus disse que Ele veio cumprir a lei e o ensino dos Profetas, não aboli-los. Em Colossenses (2:16-17), Paulo escreve que os códigos religiosos do Antigo Testamento eram meramente um prenúncio das coisas que viriam, e que a nova realidade se encontra em Cristo. Tanto Cristo como Paulo ensinaram a necessidade da expiação com sangue pelo pecado. Jesus declarou que: “Porque mesmo o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, e dar a Sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10:45). Na Última Ceia Ele acrescentou: “Este é o meu sangue do concerto, que é derramado por muitos pelo perdão dos pecados” (Mateus 26:28). Paulo afirmou os ensinos de Cristo quando escreveu: “Nele nós temos a redenção pelo seu sangue, o perdão dos pecados, conforme as riquezas da graça de Deus” (Efésios 1:7). Vinculando a doutrina com o Antigo Testamento, Paulo escreveu: “Cristo, nosso cordeiro pascoal, foi sacrificado” (1 Coríntios 5:7).

As idéias de que Jesus era o Filho de Deus, nascido de uma virgem, morrendo na cruz, e sendo ressuscitado, dificilmente são idéias exclusivas de Paulo. Elas se encontram nos primeiros escritos cristãos e são defendidas consistentemente para onde a fé tenha se difundido. Os paralelos entre o Cristianismo e o Mitraísmo alegados por Chishti são difíceis de avaliar ou confirmar. Ele não nos dá referências como evidência em favor das similaridades.(4) Outros estudiosos que têm considerado o problema descobrem que a maioria das similaridades desaparecem sob uma inspeção cuidadosa. Onde elas ocorrem, pode-se argumentar que o Mitraísmo tomou idéias do Cristianismo, ao invés do contrário. Bruce Metzger escreve: “Não se deve assumir acriticamente que os mistérios sempre influenciaram o Cristianismo, pois não apenas é possível, mas provável que, em certos casos, a influência se moveu na direção oposta”.(15)

Aqueles que acham o Cristianismo difícil de aceitar têm apresentado muitas razões para isto. A alegação de que as doutrinas do Cristianismo tiveram forte dependência das religiões de mistério permanece em solo instável e deve ser totalmente investigada antes que alguém rejeite as boas novas dos escritores do Novo Testamento.

Notas

  1. Ronald Nash, The Gospel And The Greeks, (Probe Books: Dallas, TX, 1992), 18.
  2. Ibid, 118.
  3. Ibid, 124.
  4. Ibid, 126.
  5. Ibid, 193.
  6. Ibid.
  7. Ibid, 154.
  8. Ibid, 155.
  9. Ibid, 196.
  10. Ibid, 197.
  11. Ibid. 198.
  12. Normal Geisler, Baker Encyclopedia of Christian Apologetics, (Baker Books, 1999), 490.
  13. Ibid.
  14. Ibid. 492.
  15. Nash, 198.


©2003 Probe Ministries.

Fonte: Probe Ministries (http://www.probe.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria

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