sábado, 27 de janeiro de 2018

A Posição Central de Cristo na História do Mundo



Philip Schaff


Para vermos claramente a relação da religião cristã com a história precedente da humanidade, e para apreciarmos a sua vasta influência sobre todas as gerações futuras, precisamos olhar primeiro para a preparação que ocorreu na condição política, moral e religiosa do mundo para o advento de nosso Salvador.

Como a religião é o interesse mais profundo e sagrado do homem, a entrada da religião cristã na história é o mais momentoso de todos os eventos. É o fim do velho mundo e o começo do novo. Foi uma grande idéia de Dionísio, “o Breve”, datar nossa era a partir do nascimento de nosso Salvador. Jesus Cristo, o Deus-Homem, o profeta, sacerdote e rei da humanidade é, de fato, o centro e o ponto de mudança não apenas da cronologia, mas de toda a história, e a chave de todos os seus mistérios. Ao seu redor, como o sol do universo moral, giram, em suas variadas distâncias, todas as nações e todos os eventos importantes na vida religiosa do mundo; e todos devem, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, contribuir para a glória do seu nome e o avanço da sua causa. A história da humanidade antes do seu nascimento deve ser vista como uma preparação para a sua vinda, e a história após o seu nascimento, como uma difusão gradual do seu espírito e o progresso do seu reino. “Todas as coisas foram criadas por ele e para ele”. Ele é “o desejado de todas as nações”. Ele apareceu na “plenitude do tempo”, quando o processo de preparação estava acabado e a necessidade de redenção do mundo completamente exposta.

Esta preparação para o Cristianismo começou propriamente com a criação do homem, que foi feito à imagem de Deus e destinado para a comunhão com ele através do Filho eterno; e com a promessa de salvação que Deus fez aos nossos primeiros pais, como uma estrela de esperança para guiá-los através da escuridão do pecado e do erro. Memórias vagas de um paraíso primitivo e uma subseqüente queda, e esperanças de uma redenção futura, sobrevivem até mesmo nas religiões pagãs.

Com Abraão, cerca de dezenove séculos antes de Cristo, o desenvolvimento religioso da humanidade se separa nos dois ramos independentes e, no seu alcance, muito desiguais, do Judaísmo e do paganismo. Estes se encontram e se unem, por fim, em Cristo como o Salvador comum, o cumpridor dos tipos e profecias, desejos e esperanças do mundo antigo; enquanto, ao mesmo tempo, os elementos infiéis de ambos se coligam em hostilidade mortal contra ele, e assim fazem manifestar a plena revelação do seu poder de verdade e amor que a todos conquista.

Como o Cristianismo é a reconciliação e união de Deus com o homem em e através de Jesus Cristo, o Deus-Homem, ele precisou ser precedido por um duplo processo de preparação, uma aproximação de Deus ao homem, e uma aproximação do homem a Deus. No Judaísmo, a preparação é direta e positiva, procedendo de cima para baixo, e terminando com o nascimento do Messias. No paganismo, é indireta e principalmente, embora não inteiramente, negativa, procedendo de baixo para cima, e terminando com o clamor desesperado da humanidade por redenção. Ali, temos uma revelação especial ou auto-comunicação do único Deus verdadeiro por palavra e obra, cada vez mais clara e evidente, até que finalmente o Logos divino aparece em natureza humana para elevá-la à comunhão consigo mesmo; aqui, homens guiados, de fato, pela providência geral de Deus, e iluminados pelo reflexo do Logos resplandecendo na escuridão, contudo, sem ajuda da revelação direta, e deixados para que “andassem em seus próprios caminhos”, “para que buscassem a Deus, se porventura tateando o pudessem achar”. No Judaísmo, a verdadeira religião é preparada para o homem; no paganismo, o homem é preparado para a verdadeira religião. Ali, a essência divina é gerada; aqui, as formas humanas são moldadas para recebê-la. A primeira é como o irmão mais velho da parábola, que permaneceu na casa de seu pai; a última, como o pródigo, que dilapidou sua parte, mas finalmente estremeceu diante do largo abismo da perdição, e penitentemente voltou para o seio do amor compassivo de seu pai. O paganismo é a noite estrelada, cheia de escuridão e temor, mas também de misterioso presságio, e de ansiosa espera pela luz do dia; o Judaísmo, a manhã, cheia de esperança e da promessa do sol nascente; ambos se perdem na luz do dia do Cristianismo, e atestam a sua reivindicação de ser a única religião verdadeira e perfeita para a humanidade.

A preparação pagã foi ainda parcialmente intelectual e literária, parcialmente política e social. A primeira é representada pelos gregos, a última, pelos romanos.

Jerusalém, a cidade santa, Atenas, a cidade da cultura, e Roma, a cidade do poder, podem representar os três fatores dessa história preparatória que terminou no nascimento do Cristianismo.

Este processo de preparação para a redenção na história do mundo, a busca cega do paganismo pelo “Deus desconhecido” e a paz interior, e a batalha legal e esperança confortadora do Judaísmo, repetem-se em cada crente individual; pois o homem é feito para Cristo, e “o seu coração não tem repouso, enquanto não repousa em Cristo”.


Fonte: History of the Christian Church (www.ccel.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria

Usos da História da Igreja



Philip Schaff

A história da igreja é a mais extensa e, incluindo a história sagrada do Antigo e do Novo Testamento, o ramo mais importante da teologia. É a espinha dorsal da teologia ou aquilo em que ela se apóia, e o depósito do qual deriva suas provisões. É o melhor comentário sobre o próprio Cristianismo, sob todos os seus aspectos e em todas as suas relações. A plenitude da correnteza é a glória da fonte da qual ela flui.


A história da igreja tem, em primeiro lugar, um interesse geral para toda mente culta, na medida em que mostra o desenvolvimento moral e religioso de nossa raça e a execução gradual do plano divino da redenção.


Ela tem valor especial para o teólogo e o ministro do evangelho, como a chave para a presente condição da Cristandade e o guia para um trabalho bem sucedido em sua causa. O presente é fruto do passado e germe do futuro. Nenhuma obra pode permanecer, a menos que se desenvolva a partir das necessidades reais do tempo lance raízes firmes no solo da história. Ninguém que pisoteie os direitos de uma geração passada pode reivindicar a consideração de sua posteridade. A história da igreja não é uma mera loja de curiosidades. Seus fatos não são ossos secos, mas personificam realidades vivas, os princípios gerais e as leis para nossa própria orientação e ação. Quem estuda a história da igreja estuda o próprio Cristianismo em todas as suas fases, e a natureza humana sob a influência do Cristianismo tal como é agora e será até o fim dos tempos.


Finalmente, a história da igreja tem valor prático para todo cristão, como um depósito de alertas e encorajamento, de consolação e conselhos. É a filosofia dos fatos, o Cristianismo em exemplos vivos. Se a história em geral é, como a descreve Cícero, “testis temporum, lux veritatis, et magistra vitae”, ou como a chama Diodoro, “serva da providência, sacerdotisa da verdade e mãe da sabedoria”, a história do reino do céu é tudo isto no mais alto grau. Depois das Escrituras Sagradas, que são elas mesmas uma história e depósito da revelação divina, não há prova mais forte da presença contínua de Cristo com o seu povo, justificativa mais completa do Cristianismo, fonte mais rica de sabedoria e experiência espiritual, incentivo mais profundo à virtude e piedade, do que a história do reino de Cristo. Cada geração tem uma mensagem da parte de Deus para o homem, que é da maior importância que o homem entenda.

A Epístola aos Hebreus descreve, em incitante eloqüência, a nuvem de testemunhas da antiga dispensação para encorajamento dos cristãos. Por que a nuvem maior de apóstolos, evangelistas, mártires, confessores, pais, reformadores e santos de cada geração e língua, desde a vinda de Cristo, não deveria ser apresentada com o mesmo propósito? Eles foram os heróis da fé e do amor cristão, as cartas vivas de Cristo, o sal da terra, os benfeitores e a glória de nossa raça; e é impossível estudar corretamente os seus pensamentos e feitos, suas vidas e mortes, sem ser enlevado, edificado, confortado e encorajado a seguir seu santo exemplo, para que finalmente nós, pela graça de Deus, sejamos recebidos na sua comunhão, para passarmos com eles uma bendita eternidade no louvor e contentamento do mesmo Deus e Salvador.


Fonte: History of the Christian Church (www.ccel.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria