quinta-feira, 19 de julho de 2012

Em Defesa da História


Don Closson


Introdução

Uma conveniente alegação de nossos tempos pós-modernos é de que a verdade histórica não existe, ou, na menor das hipóteses, não é acessível a nós. É elegante acreditar que toda a escrita da história é ficção, no sentido de que é a opinião subjetiva de alguém. A história como empreendimento se assemelha mais à criação de literatura, dizem alguns, do que a uma investigação científica. Porque não podemos ter certeza sobre os eventos da história, todas as perspectivas devem ser tratadas como igualmente válidas. Certo historiador escreveu: “A visão pós-moderna de que a língua não poderia se relacionar com nada além de si mesma deve ... implicar na dissolução da história ... e necessariamente põe em jogo o estudo histórico tal como normalmente entendido”.(1)

Se a história é mais algo que criamos do que aquilo que descobrimos através das regras da pesquisa histórica científica, por que fazer história, afinal? A resposta pós-moderna é de que toda a história é politicamente motivada. O filósofo francês Michel Foucault tornou-se famoso por insistir que o poder cria o conhecimento, ao invés da suposição tradicional de que o conhecimento é poder. Ele escreveu que, como não existe nenhum meio de acesso à informação histórica livre de valores, a necessidade de escrever sobre a história deve vir do desejo de controlar o passado com fins políticos. Com efeito, toda a escrita histórica é uma forma de propaganda.

Esta forma popular de ver a história possui implicações dramáticas para os cristãos que compartilham sua fé. Uma das primeiras objeções que um cristão provavelmente encontrará ao compartilhar o Evangelho é a negação de qualquer meio de acesso confiável ao que aconteceu no passado. Como o Cristianismo é uma fé que está vinculada à história, isto cria um impasse imediato. Paulo afirma em 1 Coríntios 15 que, se Cristo não ressuscitou dos mortos em um sentido histórico real, então a nossa pregação é inútil, nossa fé é fútil, ainda estamos em nossos pecados, e somos os mais miseráveis de todos os homens. Os evangelistas e apologetas cristãos frequentemente apontam para a existência de vestígios arqueológicos, manuscritos antigos, e relatos escritos acerca de eventos históricos, ao argumentar que o Cristianismo é uma fé racional, e que a Bíblia é um relato preciso e digno de confiança acerca da vida de Cristo. A tradição judaico-cristã baseia-se na crença de que Deus age na história, e que a história reflete esta incursão divina.

O Argumento Contra a História

Até recentemente, estudantes de história possuíam duas abordagens concorrentes do seu ofício para considerarem. Uma abordagem, representada por Sir Geoffrey Elton, argumentava que os historiadores deveriam enfocar o registro documental deixado pelo passado a fim de encontrarem a verdade objetiva sobre o que realmente acontecera. Estes dados são usados então para construir uma narrativa acerca de eventos políticos que, por sua vez, se torna o núcleo de qualquer escrita da história séria. Em outras palavras, são os fatos que contam, e os fatos deveriam ser usados para entender as ações e motivações dos líderes políticos que determinam os caminhos tomados pelas nações e reinos. Tudo isto assume a nossa capacidade de descobrir a verdade objetiva a respeito da história.

A outra abordagem, representada por E. H. Carr em seu livro What is History?, argumenta que os livros de história e as pessoas que os escrevem são produtos de um determinado tempo e lugar. Portanto, a história é vista e escrita através das lentes dos preconceitos dos historiadores. Isto é frequentemente chamado de visão sociológica da história, em que um estudo do historiador é tão importante quanto a compreensão dos seus escritos.

Durante as últimas três ou quatro décadas, a ênfase de Elton sobre os fatos lentamente tem perdido terreno. Como disse certo escritor, “poucos historiadores defenderiam agora o conceito linha-dura da objetividade histórica, esposado por Elton”.(2) Pior ainda, a visão sociológica de Carr está sendo substituída por uma que está ainda mais longe de ver a história como verdade objetiva. A chegada da teoria pós-moderna na década de 1980 erradicou a busca pela verdade histórica, e diminuiu a voz dos historiadores profissionais para que fosse apenas um discurso entre muitos.

O historiador David Harlan comentou que, lá pelo final da década de 1980, a maioria dos historiadores – inclusive a maioria dos historiadores em atividade – haviam praticamente desistido da possibilidade de adquirir conhecimento objetivo e confiável a respeito do passado.(3) Lá pela metade da década de 1990, alguns historiadores diziam que a “História fora derrubada até os seus fundamentos científicos e culturais”.(4) Um acadêmico australiano chegou ao ponto de declarar a morte da história.(5)

A negação do conhecimento histórico objetivo está impactando a nossa cultura e a igreja. Pessoas envolvidas com um movimento chamado Igreja Emergente geralmente estão de acordo com a negação pós-moderna da nossa capacidade de conhecer a verdade histórica objetiva. Eles também alegam que aqueles que acreditam poder ter certeza a respeito do passado são perigosos. Mas em grande parte é a cultura, e especialmente os não-salvos, que tornam este problema tão importante.

Um Duplo Padrão

Um exame atento deste problema revela uma tendência crescente em utilizar um duplo padrão quando se trata de determinar o que aconteceu no passado.

Parece que o único registro histórico de que a cultura ocidental tem certeza é de que os nazistas cometerem genocídio em massa contra seis milhões de judeus europeus. O resto da história é relegado às incertezas das nossas suspeitas pós-modernas. Esta perda de confiança tornou-se tão extrema que algumas nações, especialmente na Europa, têm recorrido à força da lei para regular o que pode e não pode ser dito a respeito de alguns eventos históricos.

Consideremos um exemplo. A França tornou crime negar o Holocausto, e tem processado com êxito diversos autores que questionaram os particulares do evento. Uma vez que uma nação desça por este caminho da verdade histórica legislada, é difícil voltar atrás. Os legisladores franceses tentaram recentemente criminalizar as negações do genocídio armênio em 1915 pelos turcos otomanos. O problema com estas ações não é a exatidão histórica da posição tomada pelo governo francês (a evidência histórica apóia a visão da França), e sim que a história está sendo decidida por meio de atos legislativos, ao invés de por um consenso dos historiadores acadêmicos, os quais têm os padrões acadêmicos em alta consideração.

A tentação de legislar a verdade histórica atrai o outro lado, de legislar sua própria versão. A Turquia atualmente tem processado autores por admitirem a possibilidade de que o holocausto armênio realmente acontecera em 1915. Foi decidido que tal visão era anti-turca.
Se a verdade histórica objetiva não pode ser discernida, não faz muito sentido legislar uma versão dela. Esta resposta orwelliana à perda de confiança acadêmica cria apenas desconfiança e maior oportunidade de abuso ou uso propagandístico da história.

Como os cristãos deveriam responder a esta batalha contra o passado?

A história é importante para a fé cristã. Precisamos encorajar os altos padrões de erudição acadêmica, mesmo quando o resultado não apóie imediatamente nossas visões bíblicas. Também precisamos humildemente admitir que o processo será inexato, e que a certeza absoluta com respeito a qualquer evento singular sempre escapará do nosso alcance. Nosso objetivo deveria ser encontrar uma posição mediana entre a certeza absoluta sobre o que aconteceu e o total desespero que alguns pós-modernistas advogam.

Linhas Convergentes de Evidência

Podemos realmente saber alguma coisa sobre o passado? Até aqui consideramos alguns dos argumentos contra o que é chamado de conhecimento histórico objetivo, ou certeza histórica. Consideremos agora três formas de pensar a respeito da produção da história, que poderiam ajudar a restaurar a confiança no processo.

O primeiro método é chamado de abordagem das linhas convergentes de evidência. Como esta técnica se aplicaria ao tema do Holocausto? As primeiras fontes de evidência incluiriam documentos escritos e fotografias do período, entre cartas pessoais, documentos oficiais, e formulários de negócios. Os administradores alemães eram guardiões de registros altamente eficientes, assim tornando acessíveis quantias significativas de dados. Outra fonte de evidência seriam os relatos de testemunhos oculares dos sobreviventes. Estes têm sido cuidadosamente coletados e registrados ao longo dos anos. Evidência a partir dos vestígios físicos dos próprios campos de concentração e evidência inferencial a partir da comparação de contagens da população européia antes e depois da guerra fornecem mais recursos. Nenhuma destas informações é tomada com valor nominal, e nenhuma linha de evidências é conclusiva. Mas, na medida em que a evidência se acumula, nossa confiança na compreensão do evento aumenta juntamente com ela.

O segundo modelo para adquirir conhecimento histórico é chamado de espiral hermenêutica. Este método argumenta que todas as vezes que fazemos uma pergunta a respeito de um assunto, a pesquisa nos dá respostas que nos trazem um pouco mais para perto da compreensão do evento. Ela também nos dá novas questões para pesquisarmos. Cada passo que damos na compreensão nos leva um pouco mais para perto do próprio evento. Se aplicado à compreensão da carta de Paulo à igreja em Corinto, alguém poderia começar lendo a carta em português e tentando compreender o seu propósito ou mensagem. Isto levantaria questões sobre a audiência de Paulo, impelindo à pesquisa sobre a cultura do primeiro século. Eventualmente, esse alguém poderia aprender o grego bíblico para compreender mais exatamente o que Paulo estava tentando comunicar. Como escreve D. A. Carson, “creio que é possível e razoável falar de seres humanos finitos que conhecem algumas coisas realmente, ainda que nada exaustiva ou oniscientemente”.(6)

A terceira abordagem é conhecida como modelo da fusão de horizontes. Assim como duas pessoas não podem ter uma visão idêntica do horizonte, duas pessoas não terão uma perspectiva idêntica sobre um evento histórico. Elas interpretarão o evento diversamente, por causa dos seus contextos culturais. Para superar isto, o estudante precisa tentar sair do seu presente quadro cultural, com suas crenças e pressupostos, e então imergir na língua, idéias e crenças do passado, procurando pisar nos passos daqueles que participaram do próprio evento.

História e Cristianismo

Bernard Lewis, talvez o mais notável estudioso americano do Oriente Médio, escreve que grandes esforços têm sido feitos, e continuam a ser feitos, para falsificar o registro do passado e tornar a história uma ferramenta de propaganda.(7) Como esta falsificação da história impacta os cristãos e a igreja?

Primeiro, a fé cristã baseia-se em um fundamento histórico. Ao contrário de outros sistemas religiosos, uma pessoa real, não apenas ensinos ou o exemplo de vida, está no centro do Cristianismo. Jesus supriu de uma vez por todas um pagamento pelo pecado, e é a nossa fé nessa provisão que torna possível a salvação. Os cristãos também crêem que Deus se revelou através dos escritos inspirados do Antigo e Novo Testamentos. Como sua influência depende tanto da sua antiguidade como autenticidade, vestígios arqueológicos e manuscritos antigos são vitais para produzir uma defesa em favor da autoridade da Bíblia.

Segundo, o conhecimento histórico é importante quando respondemos aos críticos da fé cristã. Um exemplo atual é a comparação do Islam com o Cristianismo a respeito da tolerância e dos direitos civis. O mito da tolerância islâmica foi criado no século dezessete, quando protestantes franceses usavam o Islam para envergonhar a Igreja Católica.(8) Infelizmente, eles tinham pouca ou nenhuma experiência de primeira mão com a brutalidade do Islam em relação àqueles que estão sob o seu domínio. Este mito da tolerância tem sido utilizado em décadas recentes por escritores muçulmanos no Ocidente para continuar a desinformação. Apenas recentemente os estudiosos começaram a esclarecer e refutar o mito da tolerância, e revelar a brutalidade da jihad pelo mundo inteiro ao longo dos séculos. É irônico que, enquanto este texto está sendo escrito, o presidente do Irã reuniu uma conferência para promover a idéia de que o Holocausto Judaico é um mito criado pelo Ocidente, a fim de impor uma pátria para os judeus no Oriente Médio.

Quer sejam as Cruzadas, a Inquisição, ou o comércio de escravos no Ocidente, precisamos ser capazes de confiar no consenso dos historiadores que estão comprometidos com altos padrões acadêmicos para obter um quadro exato do que realmente aconteceu, para que possamos dar uma resposta sábia aos nossos críticos. Em alguns casos, precisamos nos desculpar por aqueles que agiram em nome de Cristo, mas cujas ações violaram o ensino da Escritura. Em outros casos, podemos ter de gentilmente corrigir concepções errôneas sobre um evento histórico na mídia ou em nossas escolas, que sejam resultado de informação incompleta e inexata.

Se desistirmos da possibilidade de adquirir conhecimento histórico, também desistiremos de uma ferramenta importante para demonstrar que a nossa fé é racional.

Notas

1. Richard J. Evans, In Defense of History (W. W. Norton & Company, 1999), 3.
2. Ibid., 2.
3. Ibid., 4.
4. Ibid., 3.
5. Ibid., 4.
6. D. A. Carson, Becoming Conversant with the Emerging Church (Zondervan, 2006), 116.
7. Serge Trifkovic, Defeating Jihad (Regina Orthodox Press, 2006), 265.
8. Robert Spencer, ed., The Myth of Islamic Tolerance: How Islamic Law Treats Non-Muslims (Amherst, N.Y.: Prometheus Books, 2005), 17.

Fonte: Probre Ministries (www.probe.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria

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