terça-feira, 10 de julho de 2012

O Cristo Histórico: Fato ou Ficção?


Kyle Butt, M.A.

A maioria das crianças e adultos facilmente reconhece o nome de Jesus Cristo. Muitos até podem contar a história da Sua vida. Também facilmente reconhecíveis são os nomes de Peter Pan e Rumpelstiltskin. E a maioria das pessoas pode relatar os “fatos” destes contos de fada também. Jesus de Nazaré é um personagem fictício que merece ser incluído em uma lista contendo mágicos mistificadores, ousados matadores de dragões, e heróicos meninos voadores? O médico mundialmente famoso e durante toda a vida crítico do Cristianismo, Albert Schweitzer, respondeu com um sonoro “sim” quando escreveu:

O Jesus de Nazaré que se apresentou publicamente como o Messias, que pregou a ética do Reino de Deus, que fundou o Reino do Céu na terra, e morreu para dar à Sua obra sua consagração final, nunca teve qualquer existência. Ele é uma figura projetada pelo racionalismo, dotado de vida pelo liberalismo, e vestido pela teologia moderna com uma roupagem histórica (1964, p. 398).

Em tempos mais recentes, o ex-pregador que se voltou para o ateísmo, Dan Barker, sugeriu que “o Jesus do Novo Testamento é um mito” (1992, p. 378). Estariam essas visões baseadas em evidência histórica e seriam, portanto, dignas de séria consideração? Ou será que representam meramente um pensamento ilusório por parte daqueles que preferem crer – por qualquer razão que seja – que Cristo nunca existiu? Foi Jesus Cristo um homem cujos pés ficaram sujos e cujo corpo ficou cansado assim como o do resto da humanidade? Felizmente, tais questões podem ser respondidas por um apelo honesto à evidência histórica disponível.

O que é uma pessoa “histórica”? Martin Kahler sugere: “Não é a pessoa que origina e lega uma influência permanente? É um daqueles indivíduos dinâmicos que intervêm no curso dos acontecimentos” (1896, p. 63). Existe algum registro que documente a afirmação de que Jesus Cristo “interveio no curso dos acontecimentos?” Existem, sim.


Testemunho Hostil

É interessante que o primeiro tipo de registro vem do que são normalmente conhecidas como fontes “hostis” – escritores que mencionaram Jesus sob uma ótica negativa ou de uma forma depreciadora. Tais autores certamente não estavam predispostos a promover a causa de Cristo ou, de outro modo, dar mais crédito à Sua existência. Na verdade, foi o exato oposto. Eles rejeitavam Seus ensinos e muitas vezes O insultavam também. Assim, pode-se apelar para eles sem a acusação viés pré-concebido.

Em seu livro, The Historical Figure of Jesus, E.P. Sanders declara: “A maior parte da literatura do primeiro século que ainda sobrevive foi escrita por membros da elite muito pequena do Império Romano. Para eles, Jesus (se de algum modo ouviram falar dele) era meramente um mágico e agitador incômodo de uma parte pequena e atrasada do mundo” (1993, p. 49, comentário entre parênteses no original). É agora a essa “pequena elite do Império Romano” que voltamos a nossa atenção em busca de documentação a respeito da existência de Cristo.

Tácito (c. 56-117 a.D.) deveria estar entre os primeiros das várias testemunhas hostis a serem chamadas à tribuna. Ele era membro da classe alta provincial romana com uma educação formal que manteve várias posições elevadas sob diferentes imperadores, tais como Nerva e Trajano (vede Tacitus, 1952, p. 7). Sua famosa obra, Anais, era uma história de Roma escrita aproximadamente em 115 a.D. Nos Anais, ele conta a respeito do grande incêndio de Roma, que ocorreu em 64 a.D. Muitos suspeitavam que Nero, o imperador romano da época, havia ordenado que a cidade fosse incendiada. Tácito escreve:

Nero fabricou bodes expiatórios – e castigou com todos os requintes os notoriamente depravados cristãos (como eram popularmente chamados). Seu originador, Cristo, havia sido executado no reinado de Tibério pelo governador da Judéia, Pôncio Pilatos. Mas, apesar deste recuo temporário, a superstição mortal havia irrompido novamente, não apenas na Judéia (onde o engano havia começado), mas até em Roma (1952, 15.44, comentários entre parênteses no original).

Tácito detestava tanto os cristãos como o seu homônimo, Cristo. Por isso ele não tinha nada de positivo a dizer a respeito do que se referia como uma “superstição mortal”. Contudo, tinha algo a dizer sobre isto. Seu testemunho estabelece sem nenhuma dúvida razoável que a religião cristã não apenas era historicamente relevante, mas que Cristo, como seu originador, era uma figura histórica verificável de tal proeminência que Ele atraía até a atenção do próprio imperador romano!

Testemunho hostil adicional originou-se de Suetônio, que escreveu por volta de 120 a.D. Robert Graves, como tradutor da obra de Suetônio, Os Doze Césares, declara:

Suetônio foi feliz em ter pronto acesso aos arquivos imperiais e senatoriais e a um grande corpo de memórias contemporâneas e documentos públicos, e em ter ele mesmo vivido quase trinta anos sob os Césares. Grande parte da sua informação sobre Tibério, Calígula, Cláudio e Nero vem de testemunhas oculares dos eventos descritos (Suetonius, 1957, p. 7).

O testemunho de Suetônio é uma evidência histórica confiável. Duas vezes na sua história, Suetônio menciona especificamente Cristo ou Seus seguidores. Ele escreve, por exemplo: “Porque os judeus em Roma causavam constante tumulto por instigação de Cresto, ele [Cláudio – nota do autor] os expulsou da cidade” (Claudius, 25:4; note que em Atos 18:2 Lucas menciona esta expulsão feita por Cláudio). Sander observou que Cresto é uma pronúncia incorreta de Cristo, “a palavra grega para o hebraico ‘Messias’” (1993, pp. 49-50). Suetônio comenta ainda: “Também foram infligidos castigos nos cristãos, uma seita que professa uma nova e perniciosa crença religiosa” (Nero, 16:2). Mais uma vez, fica evidente que Suetônio e o governo romano nutriam sentimentos de ódio por Cristo e Seu supostamente pernicioso bando de rebeldes. Fica do mesmo modo evidente que Suetônio (e, na verdade, a maior parte de Roma) reconhecia que Cristo era o notório fundador de uma nova religião historicamente significativa.

Juntamente com Tácito e Suetônio, deve-se conceder assento a Plínio, o Jovem, entre as hostis testemunhas romanas. Em aproximadamente 110-111 a.D., Plínio foi enviado pelo imperador romano para governar os negócios da região da Bitínia. Desta região, Plínio correspondeu-se com o imperador a respeito de um problema que ele considerava muito sério. Ele escreve: “Nunca estive presente em nenhum julgamento de cristãos; por isso não conheço as penas ou investigações usuais, e que limites são observados” (conforme citado em Wilken, 1990, p. 4). Então prossegue, dizendo:

Este é o processo que tenho adotado no caso dos que são trazidos diante de mim como cristãos. Eu lhes pergunto se são cristãos. Se admitem, repito a pergunta uma segunda e terceira vez, ameaçando com a pena capital; se persistem, eu os sentencio à morte (conforme citado em Wilken, p. 4).

Plínio usou o termo “cristão” ou “cristãos” sete vezes em sua carta, corroborando-o assim como um termo geralmente aceito que era reconhecido tanto pelo Império Romano como pelo seu imperador. Plínio também usou o nome “Cristo” três vezes para se referir ao originador da “seita”. É inegável o fato de que os cristãos, com Cristo como seu fundador, haviam se multiplicado de tal modo que chamavam a atenção do imperador e de seus magistrados pelo tempo da carta de Plínio a Trajano. À luz desta evidência, é impossível negar o fato de que Jesus Cristo existiu e era reconhecido pelos mais altos oficiais dentro do governo romano como uma pessoa histórica, real.

Celso, um filósofo pagão do segundo século, produziu um veemente ataque contra o Cristianismo, com o título de O Verdadeiro Discurso (c. 178 a.D.). Nesse vil documento, Celso argumenta que Cristo devia sua existência ao resultado da fornicação entre Maria e um soldado romano chamado Pantera. Quando cresceu, Jesus começou a chamar-se a si mesmo Deus – um ato que, disse Celso, levou seus irmãos judeus a matá-lo. Contudo, por mais denegridor que fosse o seu ataque, Celso nunca foi tão longe a ponto de sugerir que Cristo não existira.

Alguns têm procurado negar o testemunho dessas testemunhas romanas hostis à historicidade de Cristo, sugerindo que as “fontes romanas que o mencionam são todas dependentes de relatos cristãos” (Sanders, 1993, p. 49). Por exemplo, em seu livro, The Earliest Records of Jesus, Francis Beare lamenta:

Tudo o que foi registrado a respeito do Jesus da história foi registrado para nós por homens para quem ele era Cristo, o Senhor; e não podemos expurgar a fé deles dos registros sem tornar os próprios registros virtualmente inúteis. Não existe nenhum Jesus conhecido para a história, exceto aquele que é descrito pelos seus seguidores como o Cristo, o Filho de Deus, o Salvador do Mundo (1962, p. 19).

Tal sugestão é tão grotesca como ultrajante. Não apenas não há evidência em apoio a tal afirmação, mas todas as evidências disponíveis militam contra ela. Ademais, é uma posição insustentável sugerir que historiadores romanos de tão elevada posição submeteriam à inclusão nos anais oficiais da história romana (para serem preservados para a posteridade) fatos que lhes foram relatados por uma notória tribo de desajustados “perniciosos”, “depravados” e “supersticiosos”.

Até mesmo um leitor casual que olhe de relance para o testemunho das testemunhas romanas hostis que testificaram a historicidade de Cristo ficará chocado pelo fato de que esses homens antigos não descreveram Cristo nem como Filho de Deus, nem como Salvador do mundo. Eles verbalmente O despojaram da Sua Filiação, negaram a Sua glória, e depreciaram a Sua magnificência. Eles O descreveram aos seus contemporâneos, e para a posteridade, como um mero homem. Contudo, ainda que estivessem muito errados quanto à verdade de Quem Ele era, através das suas cáusticas diatribes eles documentaram que Ele era. E por isso ficamo-lhes obrigados.

Testemunho de Jesus entre os Judeus

Ainda que grande parte do testemunho hostil a respeito da existência de Jesus se originasse de testemunhas de dentro do Império Romano, tal testemunho não é o único tipo de evidência histórica hostil disponível. Qualquer pessoa familiarizada com a história judaica reconhecerá imediatamente a Mishná e o Talmude. A Mishná era um livro de tradições legalistas judaicas codificado pelo rabino Judá por volta do ano 200 a.D., e conhecido pelos judeus como “todo o código de jurisprudência religiosa” (Bruce, 1953, p. 101). Os rabinos judeus estudavam a Mishná e até escreveram um corpo de comentários baseados nela, conhecido como Gemará. A Mishná e a Gemará são conhecidas coletivamente como Talmude (Bruce, 1953, p. 101). O Talmude completo veio a público por volta de 300 a.D. Se uma pessoa tão influente como Jesus havia existido na terra da Palestina durante o primeiro século, certamente os rabinos teriam algo a dizer sobre ele. Sem dúvida, um homem que supostamente confrontou os líderes religiosos mais astutos de Seu tempo – e os venceu – seria citado entre as opiniões daqueles que compartilhavam de Seu título rabínico. Como declara Bruce:

De acordo com os rabinos mais antigos cujas opiniões estão registradas nesses escritos, Jesus de Nazaré era um transgressor em Israel, que praticava magia, desprezava as palavras dos sábios, desencaminhava o povo, e dizia que não havia vindo para destruir a lei, mas para acrescentar a ela. Ele fora pendurado na véspera da Páscoa por heresia e por enganar o povo. Seus discípulos, dos quais cinco são citados, curavam os enfermos em seu nome (1953, p. 102).

O judaísmo do primeiro século em grande parte se recusou a aceitar Jesus Cristo como o Filho de Deus. Contudo, não se recusou a aceitá-Lo como um homem histórico de uma cidade literal conhecida como Nazaré, ou a registrar para a posteridade fatos cruciais a respeito da Sua vida e morte.

Josefo é outra testemunha judaica importante. Filho de Matatias, nasceu em uma família judaica sacerdotal de classe alta em torno de 37 a.D. Sua educação na lei e história bíblica estava entre as melhores do seu tempo (Sanders, 1993, p. 15). Aos dezenove anos, tornou-se fariseu. Quando Jerusalém se revoltou contra as autoridades romanas, foi-lhe dado o comando das forças judaicas na Galiléia. Após perder a maioria dos seus homens, ele se rendeu aos romanos. Encontrou favor no homem que comandava o exército romano, Vespasiano, predizendo que logo Vespasiano seria elevado à posição de imperador. A predição de Josefo se concretizou em 69 a.D. com a investidura de Vespasiano. Após a queda de Jerusalém, Josefo assumiu o nome familiar do imperador (Flávio) e estabeleceu-se, vivendo como pensionista do governo. Foi durante estes últimos anos que ele escreveu Antiguidades Judaicas, entre Setembro de 93 e Setembro de 94 (Bruce, 1953, pp. 103-104). O próprio Josefo apresentou a data como sendo o décimo terceiro ano de Domiciano (Rajak, 1984, p. 237). Seus contemporâneos consideravam sua carreira indignadamente como de traiçoeira rebelião contra a nação judaica (Bruce, 1953, p. 104).

Duas vezes em Antiguidades, o nome de Jesus brotou da pena de Josefo. Antiguidades 18:3:3 diz o seguinte:

E por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio, se é que deveríamos chamá-lo homem, pois ele foi um operador de obras maravilhosas, um mestre dos homens que recebem a verdade com prazer. Ele conduziu muitos judeus, e também gregos. Este homem era o Cristo. E quando Pilatos o condenou à cruz com risco de seu impedimento pelos mais importantes de entre nós, aqueles que o haviam amado a princípio não cessaram; pois ele lhes apareceu no terceiro dia vivo, tendo os profetas divinos falado destas e de milhares de outras coisas maravilhosas a respeito dele; e mesmo agora a tribo dos cristãos, assim chamados à semelhança dele, ainda não desapareceu.

Alguns historiadores consideram os segmentos em itálico da seção como “interpolação cristã”. Não existe, porém, evidência alguma da crítica textual que justifique tal opinião (Bruce, 1953, p. 110). Na verdade, todos os manuscritos gregos existentes contêm as porções em disputa. A passagem também existe tanto nas versões hebraica como árabe. E, embora a versão árabe seja ligeiramente diferente, mesmo assim ela revela conhecimento das seções disputadas (vede Chapman, 1981, p. 29; Habermas, 1996, pp. 193-196).

Existem diversas razões geralmente oferecidas para rejeitar a passagem como genuína. Primeiro, escritores cristãos antigos, como Justino Mártir, Tertuliano e Orígenes não usaram a declaração de Josefo em sua defesa da divindade de Cristo. Habermas observa que Orígenes, na verdade, documentou o fato de que Josefo (embora fosse ele mesmo judeu) não cria que Cristo fosse o Messias (1996, p. 192; cf. Contra Celso de Orígenes, 1:47). Contudo, conforme Habermas também assinala, o escritor do quarto século Eusébio, em sua História Eclesiástica (1:11), citou a declaração de Josefo acerca de Cristo, incluindo as palavras disputadas. E sem dúvida ele teve acesso a fontes bem mais antigas do que aquelas agora disponíveis.

Ademais, não deveria ser tão surpreendente que tais apologistas cristãos antigos não apelassem para Josefo em seus escritos. Wayne Jackson sugere:

Os escritos de Josefo podem não ter estado em ampla circulação naquele tempo. Suas Antiguidades só foram completadas por volta de 93 a.D. Igualmente, em vista do fato de que Josefo não era respeitado pelos judeus, suas obras podem não ter sido valorizadas como uma ferramenta apologética (1991, 11:29).

Tal sugestão tem o seu mérito. O professor Bruce Metzger comenta: “Porque Josefo era considerado um renegado para o Judaísmo, os escribas judeus não estavam interessados em preservar seus escritos para a posteridade” (1965, p. 75). Thomas H. Horne, em sua Critical Introduction to the Study and Knowledge of the Holy Scriptures, refere-se ao fato de que a fonte principal de evidências frequentemente usada pelos assim chamados “pais da igreja” era mais um apelo ao Antigo Testamento do que a fontes humanas (1841, 1:463-464). A evidência substancia a conclusão de Horne. Por exemplo, um exame do índice dos oito volumes da coleção Os Pais Ante-Nicenos revela apenas onze referências a Josefo em toda a coleção.

A segunda razão às vezes oferecida quanto a por que a passagem disputada nas Antiguidades de Josefo poderiam ser devidas a “interpolação cristã” é o fato de que parece improvável que um escritor não-cristão incluísse declarações como “este homem era o Cristo” ou “se de fato deveríamos chamá-lo homem”. Mas embora isto possa ser improvável, certamente não está fora dos domínios da possibilidade. Muitas razões poderiam explicar por que Josefo escreveria o que escreveu. Por exemplo, Bruce admite a possibilidade de que Josefo poderia estar falando sarcasticamente (1953, p. 110). Howard Key sugere:

Se assumirmos que, ao fazer declarações explícitas a respeito de Jesus como Messias e acerca da ressurreição, Josefo está meramente transmitindo o que os seguidores de Jesus reivindicavam em seu favor, então não haveria razão para negar que ele as escreveu [ou seja, as frases supostamente interpoladas – nota do autor] (1970, p. 33).

Deve-se também observar que Josefo não se qualifica como o único autor de declarações como estas a respeito de Cristo feitas por aqueles que rejeitavam a Sua divindade. Ernest Renan, por exemplo, foi um historiador francês do século dezenove cujo livro, A Vida de Jesus, foi um ataque frontal contra a divindade de Cristo, e que recebeu grande atenção por toda a Europa (vede Thompson, 1994, 14:5). Contudo, nesse mesmo volume, Renan escreveu: “É admissível chamar de Divina esta sublime pessoa que, a cada dia, ainda preside sobre os destinos do mundo” (conforme citado em Schaff e Roussel, 1868, pp. 116-117).

Ou então considere H.G. Wells que, em 1931, escreveu The Outline of History. Na página 270 desta famosa obra, Wells se refere a Jesus como “um profeta de poder sem precedentes”. Nenhuma pessoa que conhecesse Wells (um homem que certamente não cria na divindade de Cristo) jamais acusaria seu relato de ter sido inutilizado por “interpolação cristã”. O famoso humanista Will Durant era um confesso ateísta, e contudo escreveu: “A maior questão do nosso tempo não é comunismo vs. individualismo, nem Europa vs. América, nem mesmo Oriente vs. Ocidente; é se os homens podem suportar viver sem Deus” (1932, p. 23). Comentários como os de Renan, Wells e Durant documentam o fato de que, de vez em quando, até incrédulos têm escrito de maneira convincente a respeito de Deus e de Cristo.

Ademais, ainda que o material contendo a suposta interpolação cristã seja removido, o vocabulário e a gramática da seção “combinam bem com o estilo e linguagem de Josefo” (Meier, 1990, p. 90). De fato, praticamente cada palavra (omitindo de momento as supostas interpolações) se encontra em outras passagens de Josefo (Meier, p. 90). Se o material disputado fosse expurgado, o testemunho de Josefo ainda confirmaria o fato de que Jesus Cristo realmente existiu. Habermas, portanto, conclui:

Há boas indicações de que a maior parte do texto é genuína. Não há evidência textual contra ele, e, pelo contrário, há muito boa evidência manuscrita em favor desta declaração a respeito de Jesus, assim tornando-a difícil de ser ignorada. Além disso, destacados eruditos nas obras de Josefo [Daniel-Rops, 1962, p. 21; Bruce, 1967, p. 108; Anderson, 1969, p. 20] têm testificado que esta porção está escrita no estilo deste historiador judeu (1996, p. 193).

Além do que Josefo não ficou mudo a respeito de Cristo em suas seções posteriores. Antiguidades 20:9:1 relata que Anano trouxe diante do Sinédrio “um homem chamado Tiago, irmão de Jesus que era chamado o Cristo, e alguns outros. Ele os acusou de terem transgredido a lei, e condenou-os a serem apedrejados até a morte”. Bruce observa que esta citação de Josefo “é especialmente importante porque ele chama Tiago de ‘irmão de Jesus, o assim chamado Cristo’, de tal modo a sugerir que ele já havia feito referência a Jesus. E de fato encontramos referência a ele em todas as cópias existentes de Josefo” (Bruce, 1953, p. 109). Meier, em um artigo intitulado “Jesus em Josefo”, deixa claro que rejeitar esta passagem como tendo sido realmente escrita por Josefo desafia a avaliação exata do texto (1990, pp. 79-81). Meier também acrescentou outra defesa enfática da confiabilidade histórica do texto de Antiguidades a respeito de Cristo.

Praticamente ninguém fica surpreendido ou se recusa a crer que, no mesmo livro 18 de Antiguidades Judaicas, Josefo também quis escrever um esboço maior de outro judeu marginal, outro líder religioso peculiar na Palestina, “João, apelidado o Batista” (Ant. 18:5:2). Felizmente para nós, Josefo tinha mais do que um interesse passageiro em judeus marginais (p. 99).

Não obstante o que alguém acredite a respeito dos escritos de Josefo, o simples fato é que este muito erudito historiador judeu escreveu a respeito de um homem chamado Jesus, o Qual realmente existiu no primeiro século. Yamauchi resume muito bem as descobertas das fontes seculares concernentes a Cristo:

Ainda que não tivéssemos o Novo Testamento ou escritos cristãos, poderíamos concluir a partir de escritos não-cristãos tais como Josefo, o Talmude, Tácito e Plínio, o Jovem, que: (1) Jesus foi um mestre judeu; (2) muitas pessoas criam que ele realizava curas e exorcismos; (3) foi rejeitado pelos líderes judaicos; (4) foi crucificado sob Pôncio Pilatos no reinado de Tibério; (5) apesar desta morte vergonhosa, seus seguidores, que acreditavam que ele ainda estava vivo, se espalharam para além da Palestina, de modo que havia multidões deles em Roma por volta de 64 a.D.; (6) todos os tipos de pessoas das cidades e do campo – homens e mulheres, escravos e livres – adoravam-no como Deus por volta do começo do segundo século (1995, p. 222).

A Confiabilidade dos Registros do Novo Testamento

Embora a lista acima de testemunhas judaicas e hostis prove sem sombra de dúvida que Jesus realmente existiu, de modo algum é a única evidência histórica disponível àqueles interessados neste assunto. Os evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), e os outros 23 livros que formam o Novo Testamento, fornecem mais informação a respeito de Jesus do que qualquer outra fonte disponível. Mas será que estes registros podem ser considerados como evidência histórica, ou são antes escritos cuja confiabilidade empalidece em comparação com outros tipos de documentação histórica? Blomberg explica por que a questão histórica dos Evangelhos, por exemplo, deve ser considerada.

Muitos que nunca estudaram os evangelhos em um contexto acadêmico acreditam que a crítica bíblica virtualmente refutou a existência [de Cristo – nota do autor]. Um exame da confiabilidade histórica do evangelho deve, portanto, preceder uma avaliação confiável acerca de quem era Jesus (1987, p. xx).

Mas o quanto os documentos do Novo Testamento se comparam aos documentos históricos antigos adicionais? F. F. Bruce examinou grande parte da evidência em torno desta questão em seu livro, The New Testament Documents – Are They Reliable? Conforme ele e outros escritores (e.g. Metzger, 1968, p. 36; Geisler e Brooks, 1990, p. 159) observaram, existem hoje 5.366 manuscritos do Novo Testamento grego, no todo ou em parte, que servem para corroborar a exatidão do Novo Testamento. Os melhores manuscritos do Novo Testamento são datados de aproximadamente 350 a.D., talvez um dos mais importantes destes sendo o Códice Vaticano, “o maior tesouro da Biblioteca Vaticana em Roma”, e o Códice Sinaítico, que foi adquirido pelos ingleses do governo soviético em 1933 (Bruce, 1953, p. 20). Além disso, os papiros Chester Beatty, trazidos a público em 1931, contêm onze códices, dos quais três contêm a maior parte do Novo Testamento (inclusive os Evangelhos). Dois destes códices ostentam como data a primeira parte do terceiro século, enquanto o terceiro é um pouco mais recente, datando da última metade do mesmo século (Bruce, 1953, p. 21). A Biblioteca John Rylands se orgulha de evidências ainda mais antigas. Um códice de papiro contendo partes de João 18 data do tempo de Adriano, que reinou de 117 a 138 a.D. (Bruce, 1953, p. 21).

Outro testemunho da exatidão dos documentos do Novo Testamento pode ser encontrado nos escritos dos assim chamados “pais apostólicos” – homens que escreveram principalmente de 90 a 160 a.D. (Bruce, 1953, p. 22). Ireneu, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Clemente de Roma e Inácio (que escreveram antes do final do segundo século), todos fizeram citações de um ou mais Evangelhos (Guthrie, 1990, p. 24). Outras testemunhas da exatidão original do Novo Testamento são as Versões Antigas, que consistem do texto do Novo Testamento traduzido para diferentes línguas. A Velha Latina e a Velha Siríaca são as mais antigas, sendo datadas da metade do segundo século (Bruce, 1953, p. 23).

A evidência disponível deixa claro que os Evangelhos foram aceitos como autênticos por volta do final do segundo século (Guthrie, p. 24). Eles estavam completos (ou essencialmente completos) antes de 100 a.D., com muitos dos escritos circulando de 20 a 40 anos antes do final do primeiro século (Bruce, 1953, p. 16). Linton observa com respeito aos Evangelhos:

Um fato conhecido de todos os que têm feito algum estudo sobre este assunto é que esses livros foram citados, listados, catalogados, harmonizados, citados como autoridade por diferentes escritores, cristãos e pagãos, desde o tempo dos apóstolos (1943, p. 39).

Tal avaliação está absolutamente correta. De fato, o Novo Testamento desfruta de documentação histórica muito maior do que qualquer outro volume jamais conhecido. Existem apenas 643 cópias da Ilíada de Homero, que inegavelmente é o livro mais famoso da Grécia antiga. Ninguém duvida do texto das Guerras Gálicas de Júlio César, mas temos apenas 10 cópias dele, das quais a mais antiga foi feita 1.000 anos depois que foi escrito. Ter tamanha abundância de cópias para o Novo Testamento dentro de 70 anos após a sua escrita não é nada menos do que espantoso (Geisler e Brooks, 1990, pp. 159-160).

Alguém poderia alegar que os documentos do Novo Testamento não podem ser confiados porque os escritores tinham uma agenda. Mas em si isto não torna o que eles disseram falso, especialmente à luz da evidência corroborante das testemunhas hostis. Existem outras histórias que são aceitas a despeito das agendas de seus autores. Uma “agenda” não anula a possibilidade do conhecimento histórico exato.

Em sua obra The New Testament Documents – Are They Reliable?, Bruce apresentou mais comparações surpreendentes. Lívio escreveu 142 livros da história romana, dos quais apenas 35 sobreviveram. Os 35 livros conhecidos ficaram conhecidos devido a uns 20 manuscritos, dos quais apenas um é do quarto século. Temos apenas dois manuscritos das Histórias e dos Anais de Tácito, um do nono século e outro do século onze. A História de Tucídides, outra obra antiga famosa, depende apenas de oito manuscritos, dos quais o mais velho é datado de aproximadamente 900 a.D. (juntamente com alguns fragmentos de papiro datados do começo da era cristã). A História de Heródoto encontra-se em situação semelhante. “Contudo nenhum estudioso clássico daria ouvidos ao argumento de que a autenticidade de Heródoto ou Tucídides está em dúvida porque os manuscritos mais antigos das suas obras que têm alguma utilidade para nós são mais de 1.300 anos mais recentes do que os originais” (Bruce, 1953, pp. 20-21). Bruce assim declara: “É um fato curioso que historiadores frequentemente estejam muito mais prontos a confiar nos registros do Novo Testamento do que muitos teólogos” (1953, p. 19). Nas palavras de Linton:

Não há espaço para questionar se os registros das palavras e atos de Jesus da Galiléia vieram das penas dos homens que, com João, escreveram o que haviam “ouvido” e “visto”, e suas mãos haviam “tocado da Palavra da vida” (1943, pp. 39-40).

Conclusão

Quando alguém faz a pergunta: “A vida de Jesus Cristo é um evento histórico?”, ele deve se lembrar de que “se afirmarmos que a vida de nosso Senhor não é um evento histórico, acabaremos em dificuldades desesperadoras; em consonância com isto, teremos de desistir de toda a história antiga, e negar que jamais houve um evento tal como o assassinato de Júlio César” (Monser, 1961, p. 377).

Confrontados com evidência tão esmagadora, é insensato rejeitar a posição de que Jesus Cristo realmente andou nas ruas de Jerusalém no primeiro século. Como Harvey observou, existem certos fatos a respeito de Jesus que “são atestados ao menos por tanta evidência confiável quanto o são incontáveis outros considerados como fatos históricos conhecidos por nós acerca do mundo antigo”. Mas para que eu não seja acusado de citá-lo erroneamente, permita-me assinalar que Harvey continuou dizendo: “Mesmo assim pode-se argumentar que não podemos ter conhecimento histórico confiável a respeito de Jesus com respeito a qualquer coisa que realmente seja importante” (1982, p. 6).

Harvey não podia negar o fato de que Jesus viveu nesta Terra. Os críticos não gostam de ter de admitir isto, mas não podem negar com êxito o fato de que Jesus causou no mundo um impacto maior do que qualquer vida individual antes ou depois. Nem podem negar o fato de que Jesus morreu sob Pôncio Pilatos. Harvey e outros podem apenas dizer que tais fatos “realmente não importam”. Eu afirmo que os fatos que estabelecem a existência de Jesus Cristo de Nazaré realmente importam. Como Bruce declara: “Os propagadores mais antigos do Cristianismo deram boas vindas ao mais pleno exame das credenciais da sua mensagem” (1953, p. 122). Enquanto Paulo estava sendo julgado diante do rei Agripa, ele disse a Festo: “Porque o rei, diante de quem falo com ousadia, sabe estas coisas, pois não creio que nada disto lhe é oculto; porque isto não se fez em qualquer canto” (Atos 26.26).

Assim como os antigos apologistas do Cristianismo deram boas vindas a um pleno exame das credenciais da mensagem que pregavam, assim também fazemos hoje. Essas credenciais têm sido pesadas na balança e não foram achadas em falta. O simples fato é que Jesus Cristo existiu e viveu entre os homens.

É impossível dizer que ninguém tem o direito de ser agnóstico. Mas ninguém tem o direito de ser agnóstico enquanto não tiver lidado assim com a questão, e confrontado este fato com uma mente aberta. Depois disso, ele pode ser um agnóstico – se puder (Anderson, 1985, p. 12).

Referências

Anderson, J.N.D. (1969), Christianity: The Witness of History (London: Tyndale).
Anderson, Norman (1985), Jesus Christ: The Witness of History (Downers Grove, IL: InterVarsity Press), second edition.
Barker, Dan (1992), Losing Faith in Faith (Minneapolis, MN: Freedom From Religion Foundation).
Beare, Francis Wright (1962), The Earliest Records of Jesus (New York: Abingdon).
Blomberg, Craig L. (1987), The Historical Reliability of the Gospels (Downers Grove, IL: InterVarsity Press).
Bruce, F.F. (1953), The New Testament Documents—Are They Reliable? (Grand Rapids, MI: Eerdmans), fourth edition.
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Fonte: Apologetics Press (www.apologeticspress.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria

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