No Concílio de Clermont, em 1095, o Papa
Urbano II convocou os cristãos da Europa para responderem a um pedido urgente
de ajuda dos cristãos bizantinos no Oriente. Os muçulmanos ameaçavam conquistar
para Alá este remanescente do Império Romano. A ameaça era real; a maior parte
do Oriente Médio, inclusive a Terra Santa, onde Cristo havia caminhado, já
tinha sido conquistada. Assim começou a era das Cruzadas – do latim crux, “cruz”.
Comprometidos em salvar o Cristianismo, os cruzados deixaram família e trabalho
para assumir a causa. Dependendo de como se conta (seja pelo número real de
exércitos cruzados ou pela duração do conflito), houve seis Cruzadas entre 1095
e 1270. Mas o espírito cruzado perduraria por séculos, até que o Islam não
fosse mais uma ameaça para a Europa.
Existe uma dificuldade real para nós em vermos
as Cruzadas de outro modo que não pelos olhos de um americano do século 21. A
noção de defender o Cristianismo ou o lugar de nascimento de Cristo via ação
militar é difícil de imaginar ou apoiar a partir da Escritura - mas talvez um
pouco mais fácil desde os eventos de 11 de Setembro.
Por isso, quando os cristãos pensam hoje sobre
as Cruzadas, pode ser com remorso ou embaraço. Os líderes eclesiásticos,
inclusive o Papa, recentemente têm feito notícia ao se desculparem com os
muçulmanos - e com todo o mundo - pelos eventos relativos às Cruzadas. Nas
mentes de muitos, as Cruzadas foram um fiasco mal orientado, que não atingiu o
objetivo de recuperar permanentemente Jerusalém e a Terra Santa.
Será que os livros de história estão corretos
quando retratam as Cruzadas como uma invasão de territórios muçulmanos por
europeus saqueadores cuja motivação primária era pilhar novas terras? O que
geralmente fica de fora do texto é que a maior parte do Império Islâmico havia
sido cristã e que fora conquistada militarmente pelos seguidores do Profeta
Muhammad nos séculos 7 e 8.
O Islam havia subitamente surgido do nada para
se tornar uma ameaça para toda a Europa cristã, e embora tivesse demonstrado
algum comedimento em seu trato com os cristãos vencidos, também havia exibido
notável crueldade. No mínimo, o Islam aplicou a discriminação religiosa e
econômica contra aqueles que controlava, tornando os judeus e cristãos em
cidadãos de segunda classe. Em alguns casos, líderes muçulmanos foram além. Um
evento que pode ter deflagrado a Cruzada inicial em 1095 foi a destruição do
Santo Sepulcro pelo califa fatímida al-Hakim.(1) De fato, muitos cristãos da
época consideravam al-Hakim como o Anticristo.
Queremos respostas diretas para questões
perturbadoras, mas as Cruzadas nos apresentam uma complexa coleção de eventos,
motivações e resultados que tornam difícil encontrar respostas simples. Neste
artigo, consideraremos as origens e o impacto desta batalha secular entre os
seguidores de Muhammad e os seguidores de Cristo.
As Causas
O historiador Paul Johnson escreve que os
ataques terroristas de 11 de Setembro podem ser vistos como uma extensão da
batalha secular entre o Oriente islâmico e o Ocidente cristão. Johnson escreve:
As Cruzadas, longe de ser um revoltante protótipo de imperialismo ocidental, tal como se ensina na maioria de nossas escolas, foi um mero episódio de uma batalha que tem durado 1.400 anos, e foi uma das poucas ocasiões em que os cristãos tomaram a ofensiva para reconquistar os “territórios ocupados” da Terra Santa.(2)
As Cruzadas, longe de ser um revoltante protótipo de imperialismo ocidental, tal como se ensina na maioria de nossas escolas, foi um mero episódio de uma batalha que tem durado 1.400 anos, e foi uma das poucas ocasiões em que os cristãos tomaram a ofensiva para reconquistar os “territórios ocupados” da Terra Santa.(2)
O Islam havia explodido no mapa conquistando
territórios que haviam sido primeiramente cristãos. As cidades de Antioquia,
Alexandria e Cartago haviam sido os centros do pensamento cristão e da
inquirição teológica por séculos, antes de serem tomadas por exércitos
muçulmanos em sua jihad para espalhar o Islam pelo mundo.
Começando em 1095, e continuando por mais de quatrocentos anos, o espírito
cruzado que impregnou boa parte da Europa pode ser visto como um ato de
autopreservação cultural, tanto como os americanos agora vêem a guerra contra o
Taliban no Afeganistão.
Uma das motivações para a Cruzada em 1095 foi
o pedido de ajuda feito pelo imperador bizantino Alexius I. Grande parte do
Império Bizantino havia sido conquistada pelos turcos seljúcidas e
Constantinopla, a maior cidade cristã do mundo, também estava sendo ameaçada. O
Papa Urbano sabia que o sacrifício envolvido no chamado para combater os turcos
precisava mais do que apenas vir para resgatar a Cristandade oriental. Para
motivar seus seguidores, ele acrescentou um novo objetivo à libertação de
Jerusalém e do lugar de nascimento de Cristo.
A nível pessoal, o Papa acrescentou a
possibilidade de remissão dos pecados. Como a ideia do voto peregrino
era muito difundida na Europa medieval, os cruzados, tanto nobres como
camponeses, fizeram o voto de alcançar o Santo Sepulcro em troca do perdão da
igreja para os pecados que haviam cometido. A igreja também prometeu proteger
as propriedades deixadas para trás pelos nobres durante as viagens para o
Oriente.
O Papa podia lançar uma Cruzada, mas ele tinha
pouco controle sobre ela uma vez que começasse. Os cruzados prometiam a Deus,
não ao Papa, completar a tarefa. Uma vez a caminho, o exército cruzado
mantinha-se unido por “obrigações feudais, laços familiares, amizade, ou
temor”.(3)
Ao contrário do Islam, o Cristianismo ainda
não tinha desenvolvido a noção de uma guerra santa. No século quinto, Agostinho
descreveu o que constituía uma guerra
justa, mas excluiu a prática
da batalha com o propósito de conversão religiosa ou para destruir idéias
religiosas heréticas. Líderes de nações poderiam decidir entrar em guerra por
razões justas, mas a guerra não devia ser um instrumento da igreja.(4)
Infelizmente, usando a linguagem da guerra justa de Agostinho, papas e cruzados se
viram mais como guerreiros de Cristo do que como um povo buscando justiça em
face de uma ameaça inimiga invasora.
Os Eventos
Os livros de história que nossas crianças lêem
tipicamente enfatizam as atrocidades cometidas pelos cruzados e a tolerância
dos muçulmanos. É verdade que os cruzados mataram judeus e muçulmanos no saque
de Jerusalém, e mais tarde colocaram sob cerco a cidade cristã de
Constantinopla. Registros indicam que os cruzados lutavam até entre si mesmos
enquanto combatiam os muçulmanos. Mas um exame mais atento das Cruzadas mostra
que a verdadeira história é mais complexa do que a percepção do público, ou do
que aquilo encontramos nos livros de história. O fato é que tanto muçulmanos
como cristãos cometeram considerável carnificina e praticaram guerras internas,
e batalhas políticas freqüentemente dividiram ambos os lados.
Os muçulmanos poderiam ser, e freqüentemente
eram, bárbaros em seu tratamento com os cristãos e judeus. Um exemplo é como os
turcos lidaram com prisioneiros alemães e franceses capturados no começo da
Primeira Cruzada, antes do saque de Jerusalém. Aqueles que renunciaram a Cristo
e se converteram ao Islam foram enviados para o Oriente; o restante foi
executado. Até mesmo Saladino, o re-conquistador de Jerusalém, nem sempre foi
misericordioso. Após derrotar um grande exército latino em 3 de julho de 1187,
ele ordenou a execução em massa de todos os hospitalários e templários deixados
vivos, e pessoalmente decapitou o nobre Reynald de Chatillon. O secretário de
Saladino anotou que:
Ele ordenou que eles fossem decapitados,
preferindo tê-los mortos do que na prisão. Com ele havia um grupo de estudiosos
e sufitas ... [e] cada um deles implorava para que pudesse matar um deles, e
sacava sua espada e puxava sua manga. Saladino, com o rosto contente, estava
sentado em seu estrado; os infiéis mostravam negro desespero.(5)
De fato, Saladino havia planejado massacrar
todos os cristãos em Jerusalém após tomá-la de volta dos cruzados, mas quando o
comandante da guarnição em Jerusalém ameaçou destruir a cidade e matar todos os
muçulmanos no interior das muralhas, Saladino permitiu que eles comprassem sua
liberdade ou fossem vendidos à escravidão.(6)
A traição demonstrada pelos cruzados contra
outros cristãos é um reflexo dos tempos. No apogeu do espírito cruzado na
Europa, Frederico Barba-ruiva reuniu um grande exército de alemães para o que
agora é conhecida como a Terceira Cruzada. Para facilitar o seu caminho, ele
negociou tratados para livre passagem através da Europa e Anatólia, obtendo até
permissão dos turcos muçulmanos para passar sem entraves. Por outro lado, o
imperador cristão de Bizâncio, Isaque II, combinou secretamente com Saladino
incomodar os cruzados de Frederico através do seu território. Quando era
considerado útil, tanto muçulmanos como cristãos faziam pactos com qualquer que
pudesse fazer avançar sua própria causa. Em certo ponto, o sultão do Egito
ofereceu ajuda aos cruzados em sua batalha contra os turcos muçulmanos, e os
turcos não conseguiram vir em resgate dos muçulmanos xiitas fatímidas que
controlavam a Palestina.
A traição e pecaminosidade humana foram
evidentes em ambos os lados do conflito.
Os Resultados
Em 29 de maio de 1453, a cidade de
Constantinopla caía diante do sultão otomano Mehmed II. Com isto, o Império
Romano de 2.206 anos chegava a um fim e a maior igreja cristã do mundo, a Hagia
Sophia, era convertida em uma mesquita. Alguns alegam que este desastre foi um
resultado direto dos esforços mal-orientados dos cruzados, e que qualquer coisa
de positivo que poderiam ter realizado foi passageira.
Olhando de volta para as Cruzadas, somos
inclinados a pensar nelas como uma erupção de esforços fracassados e de curta
duração dos mal-orientados europeus. Na verdade, o espírito cruzado durou
centenas de anos, e o reino latino que se estabeleceu em 1098, durante a
Primeira Cruzada, durou quase 200 anos. Jerusalém permaneceu em mãos europeias por
oitenta e oito anos, um período maior do que a sobrevivência de muitas nações
modernas.
Dado o fato de que o reino latino e Jerusalém
eventualmente caíram em mãos muçulmanas, será que os cruzados realizaram algo
de significativo? Pode-se alegar que o movimento de grandes exércitos europeus
até territórios mantidos por muçulmanos diminuiu o avanço do Islam em direção
ao Ocidente. A presença de um reino latino na Palestina atuou como uma zona de
contenção entre o Império e os poderes muçulmanos, e também motivou os líderes
muçulmanos a focarem sua atenção mais na defesa do que na ofensiva, ao menos
por um período de tempo.
Psicologicamente, as Cruzadas resultaram em
uma cultura de cavalaria baseada tanto em proezas reais como lendárias dos
governantes europeus. Os reis cruzados Ricardo Coração de Leão e Luis IX foram
admirados até mesmo pelos seus inimigos como homens de integridade e valor.
Ambos se viam como agindo pela causa de Deus em sua busca para libertar
Jerusalém da opressão muçulmana. Durante séculos, governantes europeus olhavam
para os reis cruzados como modelos de como integrar o Cristianismo e as
obrigações da cavalaria.
Infelizmente, a coragem e a capacidade de
conduzir a guerra tiveram precedência sobre todas as outras qualidades, talvez
porque isto fosse um resquício de raízes francas pagãs e do culto a Odin, o
deus da guerra. Estes povos germânicos podem ter se convertido ao Cristianismo,
mas ainda tinham um lugar em seus corações para o paraíso do guerreiro valente,
Valhalla.(7) Como certo estudioso escreveu:
Mas os descendentes desses adoradores de Odin
ainda tinham o amor a um deus guerreiro em seu sangue, um deus de guerreiros
cujo símbolo definitivo era a guerra.(8)
As Cruzadas protegeram temporariamente alguns
cristãos de terem de viver sob o governo muçulmano como cidadãos de segunda
classe. Chamados de dhimmi, este código legal impunha
superioridade dos muçulmanos e humilhava todos os que se recusavam a abandonar
outras crenças religiosas.
Argumenta-se também que o espírito cruzado é
que eventualmente mandou os europeus para o Novo Mundo. A viagem de Colombo
acontece de coincidir com a remoção do governo muçulmano da Espanha. A
exploração do Novo Mundo eventualmente encorajou uma explosão econômica que o
mundo muçulmano não pode equiparar.
Sumário
Os muçulmanos ainda apontam para as Cruzadas
como um exemplo de injustiça perpetrada pelo Ocidente contra o Islam. Uma
questão interessante poderia ser: “Se a situação tivesse sido inversa, os
muçulmanos se sentiriam justificados em ir à guerra contra os cristãos?” Em
outras palavras, as regras do Corão e do Hadith (os livros santos do Islam)
justificariam um conflito semelhante ao que os cruzados conduziram?
Você provavelmente já ouviu o termo jihad, ou luta, discutido nas notícias. A
palavra denota diferentes tipos de esforço dentro da fé islâmica. Em certo
nível, ela fala do esforço pessoal pela justiça. Contudo, existem vários usos
para o termo dentro do Islam nos quais explicitamente ele se refere a guerra.
Primeiro, o Corão permite a guerra para defender
indivíduos muçulmanos e a religião do Islam de ataque.(9) De fato, todos os
muçulmanos fisicamente capazes são ordenados a auxiliarem na defesa da
comunidade dos fiéis. Os muçulmanos também têm permissão para remover traidores
do poder, ainda que tenham anteriormente entrado em um acordo com eles.(10)
Os muçulmanos são encorajados a usar a luta
armada com o propósito geral de espalhar a mensagem do Islam.(11) O Corão
especificamente diz: “Combater é uma ofensa grave, mas mais grave à vista de
Alá é impedir o acesso ao caminho de Alá, negá-lO, impedir o acesso à Mesquita
Sagrada ...”.(12) A guerra também é justificada com o propósito de purificar um
povo da servidão da idolatria ou da associação de qualquer coisa a Deus. Isto
dá ao muçulmano uma razão teológica para entrar em guerra com os cristãos,
visto que o Corão ensina que a doutrina da Trindade é uma forma de idolatria.
Se a situação tivesse sido inversa, a religião do Islam fornece múltiplas
racionalizações para as ações dos cruzados.
Mas será que existe uma justificativa cristã
para as Cruzadas? O único exemplo de um cristão combatendo no Novo Testamento é
o apóstolo Pedro, quando sacou sua espada para proteger Jesus dos soldados
romanos. Jesus lhe disse para guardar sua espada. Em seguida, Ele disse: “Pensa
que eu não poderia invocar meu Pai, e Ele de imediato colocaria à minha
disposição mais de doze legiões de anjos?” O reino que Jesus havia estabelecido
não seria edificado sobre o sangue dos incrédulos, mas sobre o sangue derramado
do Cordeiro de Deus.
As ações dos cruzados deveriam ser defendidas
usando-se a linguagem da “guerra justa” de Agostinho, ao invés do vocábulo
“guerra santa”. Embora eles nem sempre vivessem à altura dos ditames dos ideais
de “guerra justa” - tais como a imunidade dos não-combatentes - as Cruzadas
foram uma guerra defensiva de último recurso que buscou a paz para o seu povo
que havia estado por muitos anos sob ataque constante.
Se uma das funções de um governo ordenado por
Deus é refrear o mal e promover a justiça, segue-se então que os governantes
das nações onde os cristãos habitam podem precisar conduzir uma guerra justa a fim de proteger o seu povo da
invasão.
Referências
1. John
Esposito, ed. The Oxford History of Islam, (Oxford University Press, 1999), 335.
2. Paul
Johnson, National Review,
http://www.nationalreview.com/15oct01/johnson101501.shtml.
3. Thomas F.
Madden, A Concise History of the Crusades, (Rowman & Littlefield
Publishers, Inc, 1999), 10.
4. Ibid., 2.
5. Ibid., 78.
6. Ibid., 80.
7. Zoe
Oldenbourg, The Crusades, (New York: Pantheon Books, 1966), 33.
8. Ibid, 32.
9. Qur'an
2:190, 193.
10. Ibid, 8:58.
11. Ibid, 2:217
(also see www.irshad.org/islam/iiie/iiie_18.htm published by The Institute of
Islamic Information & Education, P.O. Box 41129, Chicago, IL 60641-0129).
12. Qur'an 2:217.
©2002
Probe Ministries.
Fonte: Probe Ministries (http://www.probe.org)
Tradução:
Rodrigo Reis de Faria
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