sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Uma Breve Visão sobre o Evangelho de Judas



Patrick Zukeran

As manchetes dos jornais em todo o mundo noticiaram que o Evangelho perdido de Judas foi descoberto e traduzido. Repórteres afirmam que este evangelho lança nova luz sobre a vida de Cristo e Sua relação com Judas, que pode não ser o traidor retratado nos Evangelhos do Novo Testamento. Na verdade, ele pode ser o herói! Ele é projetado como o mais antigo e confidente dos discípulos de Jesus que traiu Jesus a pedido do Senhor! Este evangelho declara ainda que Jesus revelou um conhecimento secreto a Judas, instruindo-o a denunciar Jesus às autoridades romanas. Assim, ao invés de agir por avareza ou influência satânica, Judas estava seguindo fielmente às ordens dadas por Cristo. Será que o Evangelho de Judas revela uma nova guinada na história da paixão de Cristo? Será que existem novas percepções históricas que deveriam fazer os cristãos se preocuparem?

O Evangelho de Judas foi descoberto em 1978 por um fazendeiro em uma caverna próxima a El Minya, no Egito central. Estudiosos datam este texto copta como tendo sido escrito entre 300 e 400 a.D.(1) A maioria dos estudiosos acredita que o texto original foi escrito em grego, e que o manuscrito original foi escrito na metade do segundo século.(2)

A autoria deste evangelho é desconhecida, mas é improvável que Judas ou um discípulo de Jesus o tenha escrito. Representa um pensamento gnóstico que começou a florescer por volta daquele tempo. A menção mais antiga ao mesmo é de Ireneu, escrevendo em 180 a.D., o qual condenou esta obra como herética.

O Evangelho de Judas é semelhante à literatura gnóstica encontrada em outras áreas ao longo do Nilo, incluindo a biblioteca de Nag Hammadi, que continha aproximadamente quarenta e cinco textos gnósticos, o Evangelho de Maria, o Evangelho de Pedro e outros textos.

O que é Gnosticismo?

O gnosticismo floresceu do segundo ao quarto século a.D. O que é gnosticismo? O gnosticismo deriva seu nome da palavra grega gnosis, que significa conhecimento e refere-se ao conhecimento místico ou secreto de Deus da unidade do eu com Deus. Eis aqui um sumário essencial da filosofia gnóstica.(3)

Primeiro, o gnosticismo ensinava o conhecimento secreto do dualismo, de que o mundo material era mau e o reino espiritual era puro. Segundo, Deus não é distinto do homem, mas a humanidade é, em essência, divina. Deus é o espírito e a luz no interior do indivíduo. Quando alguém entendesse a si mesmo, entenderia tudo. Terceiro, o problema fundamental no gnosticismo não era o pecado, mas a ignorância. O caminho para atingir a unidade com o divino era alcançando um conhecimento místico. Quarto, a salvação era alcançada obtendo-se um conhecimento secreto, ou gnosis, da natureza real do mundo e do eu. Quinto, o alvo no gnosticismo era a unidade com Deus. Isto ocorreria através do escape da prisão do corpo impuro, a fim de que a alma do indivíduo viajasse através do espaço, evitando demônios hostis, e unindo-se a Deus.

Em referência a Jesus, o gnosticismo ensinava que Jesus não era distinto dos Seus discípulos. Aqueles que atingiam a percepção gnóstica tornavam-se Cristo assim como Jesus. A professora de religião da Universidade de Princeton, Dr. Elaine Pagels, escreve: “Todo aquele que alcança a gnosis torna-se não mais um cristão, mas um Cristo”.(4) Assim, Jesus não foi o único Filho de Deus, e um salvador que morreria pelos pecados do mundo, mas um mestre que revelou um conhecimento secreto a seguidores dignos.

A filosofia gnóstica é contrária aos ensinos do Antigo e Novo Testamento. A Bíblia está em oposição ao ensino gnóstico em doutrinas fundamentais, como a natureza de Deus, Cristo, o mundo material, o pecado, a salvação e a eternidade. Judeus e cristãos rejeitaram o ensino gnóstico como herético, e os gnósticos rejeitaram o Cristianismo. A filosofia gnóstica é ensinada por todo o Evangelho de Judas. Assim como outra literatura gnóstica, há muito pouca similaridade entre o Evangelho de Judas e os escritos do Novo Testamento. Este evangelho contradiz o Novo Testamento em áreas essenciais.

Conteúdo do Evangelho de Judas

A filosofia gnóstica é contrária ao Cristianismo bíblico, e o Evangelho de Judas reflete mais o pensamento gnóstico do que teologia bíblica. Um exemplo de filosofia gnóstica é refletido na missão de Jesus conforme representada neste evangelho.

Dr. Marvin Meyer, professor de Bíblia no Chapman College, resume o objetivo da missão de Jesus segundo este evangelho.

“Para Jesus no Evangelho de Judas, a morte não é uma tragédia, nem é um mal necessário para conseguir o perdão dos pecados ... A morte, como saída desta existência física absurda, não deve ser temida nem receada. Longe de ser uma ocasião de tristeza, a morte é o meio pelo qual Jesus é liberado da carne a fim de pudesse voltar para o seu lar celestial, e, traindo Jesus, Judas ajuda seu amigo a descartar seu corpo e libertar seu eu interior, o eu divino”.(5)

No Novo Testamento, a missão de Jesus é claramente determinada. Ele veio para morrer uma morte expiadora pelos pecados do mundo e vencer a sepultura com a Sua ressurreição corporal. Isto contradiz o Evangelho de Judas, que ensina que Cristo buscou a morte para libertar-se do aprisionamento de seu corpo.

Outro ensino gnóstico fundamental é que o problema do homem não é o pecado, mas a ignorância. Jesus não é um salvador, mas um mestre que revela este conhecimento secreto apenas àqueles que são dignos desta compreensão. Judas é considerado digno deste conhecimento. Dr. Meyer escreve:

“Para os gnósticos, o problema fundamental da vida humana não é o pecado, mas a ignorância, e o melhor meio de tratar deste problema não é através da fé, mas através do conhecimento. No Evangelho de Judas, Jesus comunica a Judas – e aos leitores do evangelho – o conhecimento que pode erradicar a ignorância e levar a uma consciência de si mesmo e de Deus”.(6)

Outro ensino gnóstico é de que, visto como o mundo físico é mau, Deus não criou o mundo físico. Ao invés disso, Ele cria éons e anjos que, por sua vez, criam, trazem ordem e governam sobre o mundo físico. Visto que a matéria é impura, Deus não entra diretamente na criação física. No Evangelho de Judas, Jesus pergunta aos Seus discípulos: “Como me conheceis?” Eles são incapazes de responder corretamente. Contudo, Judas responde dizendo: “Conheço quem tu és e de onde vieste. Tu és do reino imortal de Barbelo”.

Barbelo no gnosticismo é a primeira emanação de Deus, geralmente descrito como uma figura materno-paternal. Visto que Deus não entra no mundo material porque este é impuro, Barbelo é um reino intermediário do qual o mundo material pode ser criado sem contaminar Deus.(7)

Barbelo é claramente um termo gnóstico e estranho ao Cristianismo. Jesus disse em João 3:13 que Ele é do céu. A palavra grega é ouranos. Outras vezes, os escritores do Novo Testamento vêem Jesus como estando assentado à destra do Pai. Jesus está no céu com o Seu Pai, com quem Ele habita eternamente.

Razões pelas quais o Evangelho de Judas não faz parte do Novo Testamento

Existem diversas razões pelas quais não deveríamos considerar o Evangelho de Judas como escritura inspirada. Primeiro, foi escrito muito tarde para ter alguma conexão apostólica. Os Apóstolos de Cristo receberam a autoridade de escrever escritura inspirada. Uma das exigências para inclusão no cânon do Novo Testamento era que o livro tinha de ser escrito por um apóstolo ou companheiro imediato. Visto que era necessária uma conexão apostólica, o mesmo teria de ter sido escrito dentro do primeiro século. Há evidência convincente de que os quatro Evangelhos do Novo Testamento foram escritos no primeiro século a.D. (vede meu artigo Historical Reliability of the Gospels). O Evangelho de Judas foi escrito na metade do segundo século a.D., portanto é muito tardio para ser apostólico.

Segundo, a literatura inspirada deve ser consistente com a revelação anterior. Deus não é Deus de erro, mas de verdade, e Sua palavra não apresentaria reivindicações de verdade contraditórias. A filosofia gnóstica em Judas é inconsistente com os ensinos do Antigo e Novo Testamentos.

O Antigo Testamento ensina que Deus criou o universo físico, e Adão e Eva (Gênesis 1-3). No relato da criação em Gênesis, Deus criou todas as coisas boas. Assim, ao contrário do gnosticismo, Deus criou o mundo físico e Ele o declarou bom.

O gnosticismo ensina que Deus não criaria um universo físico porque o mundo material é impuro, por isso Deus cria éons e anjos. Estes seres, por sua vez, criam o reino físico. No Evangelho de Judas, Jesus revela a Judas a criação do mundo, da humanidade, e de inúmeros éons e anjos. Os anjos trazem ordem ao caos. Um dos anjos, Saklas, moldou Adão e Eva. O Evangelho diz:

“Que doze anjos venham à existência para governar o caos e o [mundo inferior]. E eis que da nuvem apareceu um [anjo] cujo rosto reluzia com fogo e cuja aparência estava contaminada com sangue. Seu nome era Nebro, que significa rebelde; outros o chamam de Yaldabaoth. Outro anjo, Saklas, também saiu da nuvem. Assim, Nebro criou seis anjos – bem como Saklas – para serem assistentes, e estes produziram doze anjos nos céus, cada um recebendo uma porção nos céus”.

Também declara:

“Então Saklas disse aos seus anjos: ‘Criemos um ser humano segundo a semelhança e segundo a imagem. Eles moldaram Adão e sua esposa, Eva, que é chamada, na nuvem, de Zoe”.

Isto contradiz o ensino no Antigo Testamento de que o Próprio Deus criou o universo. Depois, Deus criou Adão a partir da terra, e sua esposa, Eva, a partir de Adão.

O Evangelho de Judas contradiz o ensino do Novo Testamento também. O Evangelho ensina que o corpo é mau e que Jesus queria escapar de Seu corpo físico. Jesus instrui Judas dizendo: “Mas tu (Judas) sobressairás a todos eles. Pois tu sacrificarás o homem que me veste”. A morte de Jesus através da assistência de Judas liberaria o Seu espírito para unir-se a Deus.(8)

Contudo, o Novo Testamento ensina que Jesus não queria escapar de Seu corpo. Na verdade, Jesus ensinou que Sua ressurreição seria uma ressurreição física (João 2:19-22). Em Lucas 24:39, Jesus deixa claro a Seus discípulos que Ele possui um corpo físico: “Vede as Minhas mãos e os Meus pés, que sou Eu mesmo; tocai-Me e vede, pois um espírito não tem carne e ossos, como vedes que Eu tenho”. Em João 20 e 21, Jesus revela que isto foi uma ressurreição física do corpo que estava na cruz. Ele convida Tomé, no capítulo 20, a tocar Suas cicatrizes. Se Jesus tivesse ressuscitado como um espírito, Ele seria culpado de enganar Seus discípulos.

Em 1 Coríntios 15, Paulo ensina uma ressurreição física. Ele explica que Cristo ressuscitou dentre os mortos e mais de quinhentas testemunhas atestaram o fato. Em seguida, ele explica que o corpo da ressurreição é um corpo físico, mas diferente dos nossos corpos terrenos. Na ressurreição, os cristãos terão corpos físicos glorificados, uma clara contradição com o gnosticismo, que procura escapar do corpo físico impuro. Paulo não ensinou os cristãos a escaparem do corpo, mas a aguardar a ressurreição do corpo (1 Tessalonicenses 4:13-18).

Conclusão

Apesar da propaganda espalhafatosa da mídia, o Evangelho de Judas não afeta a confiabilidade histórica dos Evangelhos, nem representa qualquer ameaça à divindade de Cristo. Este evangelho não pode ser considerado como escritura inspirada como os livros do Novo Testamento. Foi escrito no final do segundo século e, portanto, não foi escrito por um apóstolo de Cristo ou um companheiro imediato. Seus ensinos contradizem a revelação anterior do Antigo e do Novo Testamentos. Apresenta muito pouca informação para que pudesse ser considerado histórico. O Evangelho de Judas nos dá mais percepção sobre o gnosticismo primitivo, isso é tudo. Não apresenta nenhum fato histórico acerca de Jesus que afete o Novo Testamento em qualquer sentido.

Notas

1. Dan Vergano and Cathy Lynn Grossman, “Long-lost gospel of Judas casts ‘traitor’ in new light,” USA Today, 7 April 2006.
2. Rodolphe Kasser, Marvin Meyer and Gregor Wurst, The Gospel of Judas (Washington D.C.: National Geographic, 2006), 5.
3. Elaine Pagels, The Gnostic Gospels, (New York: Vintage Books, 1979), 119-141.
4. Pagels, 134.
5. Kasser, Meyer and Wurst, 4-5.
6. Ibid., 7.
7. en.wikipedia.org/wiki/Barbelo
8. Kasser, Meyer and Wurst, 43.


Fonte: Probe Ministries (http://www.probe.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria

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