domingo, 19 de agosto de 2012

O Mundo do Apóstolo Paulo

Rick Wade

O propósito deste ensaio é lançar um olhar rápido no mundo greco-romano em que o apóstolo Paulo viveu, para que possamos compreender melhor o seu ministério. Entender o contexto histórico nos ajuda a obter tal perspectiva. Discutiremos a religião, filosofia, unidade familiar e moral social da cultura helenística, com uma análise conclusiva sobre o conflito que os cristãos enfrentavam.

Religião

Comecemos com a religião do primeiro século. Dois episódios no livro de Atos fornecem uma compreensão das crenças e práticas religiosas daquele tempo.

Em Atos 19, lemos a respeito do transtorno em que os companheiros de Paulo se envolveram durante o seu ministério em Éfeso. Artífices que fabricavam miniaturas do santuário de Ártemis, a divindade local, se opuseram ao ensino de Paulo de que “os deuses feitos por homens não são deuses” (Atos 19:26). No mundo de Paulo, a religião era parte integral da vida de todos. Os cultos cívicos patrocinados pelo Estado eram uma expressão religiosa em que todos participavam. O historiador Everett Ferguson observa que “as crenças e práticas religiosas mais profundamente arraigadas tanto na Grécia como em Roma ... estavam associadas ao culto cívico tradicional”.(1) O Estado tanto custeava como lucrava com esses cultos.

Cada cidade possuía a sua divindade benfeitora. A cidade de Éfeso honrava Ártemis, a deusa da natureza e da concepção. A estátua de Ártemis estava em um magnífico templo, quatro vezes maior que o Partenon de Atenas. Divindades como Ártemis eram honradas com festivais, sacrifícios, procissões, disputas atléticas e a execução de rituais de mistério. As orações incluíam invocação, louvor e petição, com o objetivo de receber o favor da deusa. Sacrifícios eram oferecidos em louvor, ação de graças ou súplica.

O tumulto em Éfeso que resultou do ensino de Paulo fora provocado parcialmente por preocupações financeiras; os artífices ficaram com medo de perder o seu negócio. Mas o canto: “Grande é Ártemis dos efésios”, que prosseguiu por duas horas – por pessoas que nem sequer sabiam qual era o problema específico – mostra que o problema não era apenas dinheiro. A força da devoção religiosa aos cultos cívicos era tal que os imperadores romanos viam a vantagem de se identificarem com eles ao invés de combatê-los. Mais adiante falaremos mais sobre isso neste ensaio.

Éfeso também era um centro importante de atividade mágica, outra parte da prática religiosa do primeiro século. Em Atos 19, lemos a respeito de praticantes de magia ou feitiçaria abandonando suas práticas e queimando seus rolos na medida em que declaravam publicamente sua nova fé.

Os rolos dos efésios continham palavras e fórmulas secretas que eram usadas para forçar os deuses a cumprir as ordens de alguém. A fórmula precisa era crucial. Os praticantes buscavam riqueza, cura, ou poder; eles usavam a magia até na tentativa de obter o amor de outra pessoa. Porque também se acreditava que conhecer o verdadeiro nome de alguém era ter poder sobre essa pessoa, nomes e fórmulas eram misturados para produzir uma magia forte.

Paulo levou sua mensagem a um mundo com uma multidão de crenças religiosas, e a mensagem que ele proclamava mostrava o seu poder sobre elas. Quando olhamos para a nossa cultura com o seu espectro religioso cada vez mais pluralista, devemos nos lembrar de que também levamos o mesmo evangelho, com o mesmo poder.

Filosofia

Quando o apóstolo Paulo visitou Atenas, ele levou a mensagem de Cristo ao mercado, onde uma grande variedade de pessoas podiam ser encontradas. Entre aqueles com quem falava, estavam os filósofos epicureus e estóicos. Lemos a respeito do seu encontro com eles em Atos 17.

Quem eram estes epicureus e estóicos? Gostaria de fazer um esboço muito breve acerca das suas idéias sobre Deus, o homem e o mundo, que nos ajudará a entender por que Paulo disse o que disse.

O estoicismo e o epicurismo eram filosofias desenvolvidas para libertar as pessoas das preocupações com a vida presente.

O estoicismo era materialista e panteísta. Ou seja, os estóicos acreditavam que tudo era composto de matéria. A forma mais elevada da matéria era de natureza divina, e pervadia o universo. Eles a chamavam de várias coisas: fogo, Zeus, ou mesmo Deus. Acreditavam que este “fogo” divino, ou Deus, gerou o universo e um dia tomaria o universo de volta para si através de uma grande conflagração. Este ciclo de criação e conflagração é repetido eternamente.

O estoicismo era deste modo determinista. As coisas são do jeito que são e não podem ser mudadas. Para encontrar a verdadeira felicidade, eles acreditavam que alguém deveria entender o curso da natureza pela razão e simplesmente aceitar as coisas como são.
Em contraste com os estóicos, Paulo ensinou que Deus é pessoal, e não parte deste universo. Ele também ensinou que haveria um julgamento futuro, não uma gigantesca conflagração, levando a um outro ciclo.

Os epicureus focavam sobre a felicidade do indivíduo também, mas seguiam uma direção completamente diferente dos estóicos. Eles acreditavam que o caminho para a felicidade era através da maximização do prazer e da minimização do sofrimento. A tranqüilidade era buscada através de uma vida sossegada e contemplativa, vivida entre uma comunidade de amigos.

Os epicureus eram materialistas também, mas não eram panteístas. Eles acreditavam que o universo fora formado a partir de átomos caindo pelo espaço, que ocasionalmente colidiam uns com os outros acidentalmente, formando eventualmente as estrelas e planetas, e nós. Quando morremos, simplesmente nos dissolvemos em átomos novamente. Os epicureus acreditavam nos deuses, mas pensavam que eles fossem como os homens, só que de uma ordem superior. Os deuses residiam lá fora em algum lugar do espaço, desfrutando de uma vida de tranqüilo prazer, assim como a dos epicureus. Eles não tinham nada que ver com os homens. Além da participação em sacrifícios e rituais religiosos por finalidades estéticas, os epicureus acreditavam que os seres humanos não precisavam se preocupar com os deuses.

Contra os epicureus, Paulo ensinou que Deus está envolvido nos negócios da Sua criação, e criou-nos especificamente para buscá-Lo. Naturalmente, a doutrina de Paulo acerca de um juízo futuro não se encaixava com o pensamento deles também.

Enquanto Paulo evangelizava o mundo grego, às vezes usava sua terminologia e conceitos; ele até citava os poetas deles. Mas ele pregava uma mensagem muito diferente. Talvez nós, também, possamos encontrar uma base comum em nossa cultura, conhecendo o que as pessoas crêem e expressando o evangelho em termos que elas compreendam. Sem modificar a mensagem em si, devemos expressá-la de um modo que possa ser compreendida. Se não, passaremos um sufoco para fazer as pessoas ouvirem.

Unidade Familiar

Já demos alguma atenção à religião e filosofia do tempo de Paulo, mas e sobre as estruturas sociais do mundo greco-romano? Mais especificamente, como era a família no primeiro século?

Por volta do primeiro século a.D., o casamento era principalmente por consentimento mútuo. O historiador Everett Ferguson descreve o casamento assim: “O consentimento em viverem juntos constituía o casamento em todas as sociedades, e a procriação de filhos era o seu objetivo explícito. Os casamentos eram registrados a fim de tornar os filhos legítimos”.(2) Embora os casamentos fossem principalmente monogâmicos, o adultério era comum. O divórcio exigia apenas notificação oral ou escrita.

Os homens tinham um papel dominante na família. Eles tinham autoridade absoluta sobre seus filhos e escravos. As esposas permaneciam sob a autoridade de seus pais. Os homens ocupavam seu tempo com interesses econômicos e escapes sociais como banquetes, e os ginásios que incluíam instalações para exercícios, piscinas e salões de leitura. Estes funcionavam como centros comunitários.

Na ausência do marido, a mulher poderia conduzir seus negócios por ele. Contudo, a administração do lar era responsabilidade primária da esposa. Ferguson cita o escritor grego Apolodoro, que disse: “Temos cortesãs para prazer, criadas para o cuidado diário do corpo, esposas para produzir filhos legítimos e serem fiéis guardiãs das coisas do lar”.(3)

Contudo, as mulheres não estavam necessariamente confinadas ao lar. Algumas se engajavam em ocupações tão diversas como música, medicina e comércio. Muitas tinham ofícios públicos, e outras mantinham posições de liderança nos cultos religiosos.

Os filhos não eram considerados parte da família enquanto não reconhecidos pelo pai. Eles podiam ser vendidos ou deixados desabrigados, se não fossem desejados.

Os pais tinham a iniciativa de encontrar educação apropriada para seus filhos. As meninas podiam ir às escolas elementares, mas isto era raro. Elas aprendiam principalmente habilidades domésticas em casa. Embora a maioria dos meninos aprendesse algum ofício em casa ou através de um treinamento, eles podiam passar por uma seqüência de instrução primária, secundária e avançada, dependendo do seu status social. A memorização era um elemento fundamental na educação primária. A retórica era o tema mais importante na educação avançada.

Os escravos faziam parte da unidade familiar no Império Romano. Eles podiam ser obtidos através de diversos meios, entre os quais guerra, abandono infantil, e compra de pessoas para o pagamento de dívidas. Os escravos podiam trabalhar nas minas, em templos, em lares como mestres, ou na indústria; mantinham até mesmo posições elevadas como administradores na burocracia civil. Os escravos muitas vezes ganhavam dinheiro suficiente para comprar sua própria liberdade, embora tivessem de continuar trabalhando para os seus ex-proprietários.

Nesta sociedade, os apóstolos introduziram novas idéias a respeito do valor do indivíduo e sobre as relações familiares. Os maridos deviam ser fiéis às suas esposas e amá-las como seus próprios corpos. Os filhos deviam ser vistos como muito mais do que posses econômicas ou despesas. Os senhores eram orientados a tratar os escravos com justiça e eqüidade. As pessoas hoje em dia que injuriam o Cristianismo como sendo “opressivo” provavelmente não têm idéia do quanto ele elevou as pessoas no mundo helenista.

Moral Social

A instrução moral no mundo helenístico era encontrada mais na filosofia e no costume do que na religião. A religião era em grande parte exterior; ou seja, era uma questão mais de ritual do que de transformação interior. A filosofia procurava ensinar às pessoas como viver. Os filósofos davam muita atenção a questões como virtude, amizade e responsabilidade civil.(4)

O historiador Everett Ferguson observa que a evidência da era greco-romana indica que muitas pessoas viviam vidas muito virtuosas. Inscrições em lápides, por exemplo, incluem orações pelos maridos e esposas pela bondade e fidelidade.(5)

Apesar disso tudo, a história revela uma cultura moralmente degradada no primeiro século. Um exemplo é a imoralidade sexual. “As várias palavras na língua grega para relações sexuais”, afirma Ferguson, “sugerem uma preocupação com este aspecto da vida”.(6) Conforme notei antes, o adultério era comum. Os homens muitas vezes tinham cortesãs para o prazer físico. A homossexualidade entre jovens ou entre um homem mais velho e outro mais jovem era aceita abertamente. A prostituição do templo fazia parte de alguns cultos religiosos.

Demonstrava-se uma baixa estima da dignidade humana no mundo helenístico. Anteriormente citei a exposição de crianças ao abandono como um meio de se livrar delas. Bebês indesejados – muitas vezes meninas – eram colocados na pilha de lixo ou deixados em alguma área isolada para morrerem. Eles podiam ser apanhados para serem usados, para serem vendidos como escravos, ou para servirem como prostitutas.

A brutalidade da época era vista mais claramente nos jogos nos anfiteatros romanos. Ferguson observa que “os anfiteatros do ocidente testificam da paixão pelo sangue sob o império. Os espetáculos dos combates de gladiadores – homem contra homem, homem contra animal, e animal contra animal – atraíam multidões imensas e substituíram o drama e o atletismo grego em popularidade”.(7) Execuções eram consideradas menos excitantes do que os combates mortais. Conseqüentemente, quando execuções estavam incluídas na programação do dia, eram tipicamente realizadas durante o intervalo do almoço. Um dos meios pelos quais os criminosos eram mortos era vestindo-os em peles de animais e lançando-os a animais selvagens.

Tal brutalidade era estendida aos cristãos nos tempos de perseguição. O Livro dos Mártires de Fox registra que Nero mandou lançar os cristãos às feras. Ele também mandava banhá-los em cera, pendurar em árvores e queimar como tochas gigantes em seus jardins.(8)

Neste mundo de imoralidade e brutalidade, entrou a mensagem de amor e justiça que se encontra em Jesus. Assim como o Judaísmo antes, o Cristianismo colocou a religião e a moral juntas. Revelou o padrão de bondade de Deus e o amor sacrificial de Cristo, e forneceu o poder para alcançar esse padrão através da obra regeneradora do Espírito baseada na obra de Cristo sobre a cruz.

Hoje, ética e religião estão novamente separadas. E os resultados estão sendo vistos. Mas, assim como no primeiro século, os cristãos hoje têm uma mensagem de graça para a nossa sociedade: Deus não apenas nos diz o que é bom, Ele também nos capacita a sermos bons.

O Conflito dos Cristãos com a Cultura

Na igreja primitiva, o caráter dos cristãos era muito importante para obterem audiência e ganharem convertidos quando corajosamente dessem testemunho da sua nova fé.

Como eram estes cristãos? O escritor da Epístola a Diogneto, escrita provavelmente no começo do segundo século, disse o seguinte a respeito deles: “Eles se casam como todos; têm filhos, mas não destroem sua prole. Eles têm uma mesa comum, mas não uma cama comum. Eles estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Eles passam seus dias na terra, mas são cidadãos do céu. Eles obedecem às leis prescritas, e ao mesmo tempo superam as leis através de suas vidas. Eles amam a todos os homens, mas são perseguidos por todos”.(9)

Se suas vidas eram de natureza tão exemplar, o que colocava os cristãos em tantos problemas? Dois dos fatores mais importantes eram a sua relutância em participar dos rituais religiosos e a sua recusa em se curvar diante das imagens dos imperadores.

Anteriormente citei a importância dos cultos cívicos religiosos no mundo helenístico. As pessoas acreditavam que os deuses exigiam seus sacrifícios e outras observâncias; caso contrário, ficaram furiosos e descarregariam sua ira nas pessoas como um todo. Os cristãos se recusando a participar era arriscar enfurecer os deuses.

O outro fator era a questão do culto ao imperador. Quando Roma conquistou o mundo ocidental, os governantes viram quão importante era a religião para o povo. Ao invés de combatê-la, tiraram proveito dela colocando imagens dos imperadores romanos em lugares de culto com as outras divindades. Isto não era um grande problema para os gregos. Além do fato de que os romanos eram seus governantes, os gregos não eram exclusivistas em seu culto. Adorar uma divindade não impedia a adoração de outras também.

Para os cristãos, contudo, Jesus era o Senhor; não podia haver outros deuses além dEle, e eles não poderiam se curvar diante de ninguém que alegasse autoridade divina, inclusive o imperador. Contudo, como nas mentes dos romanos o imperador representava o estado, recusar a curvar-se diante de sua imagem era ser um inimigo do estado.

Assim, por causa de sua recusa em participar destas atividades, os cristãos foram chamados de ateus e inimigos do estado. Seu comportamento era desconcertante para os seus vizinhos. Por que eles não podiam simplesmente dissimular? Conforme já observei, a religião era não-exclusivista. O povo não acreditava necessariamente nos deuses aos quais faziam sacrifícios, de qualquer maneira. E, como havia pouca ou nenhuma relação entre religião e ética, as atividades religiosas de um indivíduo normalmente não afetavam a sua vida moral. Então, por que os cristãos não podiam simplesmente jogar lado a lado? A razão por que não podiam era porque curvar-se diante dos imperadores ou dos deuses seria cometer idolatria, que era o pecado fundamental na igreja primitiva.

Os cristãos da igreja primitiva tinham de decidir onde podiam conformar-se à sua sociedade, e onde não podiam. Havia uma diferença de opinião quanto ao que era apropriado e o que não era. Mas estava claro que qualquer que quisesse ser identificado como um cristão tinha de traçar a linha aqui: Jesus é o Senhor, e não há outro.

Notas

1. Everett Ferguson, Backgrounds of Early Christianity, 2nd ed. (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1993), 188.
2. Ibid., 68.
3. Ibid., 70-71. 
4. Ibid., 303.
5. Ibid., 64.
6. Ibid.
7. Ibid., 94.
8. Foxe's Book of Martyrs, (Old Tappen, New Jersey: Spire Books, 1968), 13.
9. Michael Green, Evangelism in the Early Church (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1970), 136.

© 1997 Probe Ministries International
Fonte: Probe Ministries (www.probe.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria

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