terça-feira, 7 de agosto de 2012

História e Fé Cristã


Michael Gleghorn


A Importância da História

Podemos realmente saber alguma coisa sobre o passado? Por exemplo, podemos realmente saber se Nabucodonosor foi o rei da Babilônia no século sexto a.C., ou se Jesus de Nazaré foi uma pessoa histórica real, ou se Abraham Lincoln fez o Discurso de Gettysburg? Embora estas possam parecer questões que interessariam apenas a historiadores profissionais, na verdade elas são importantes para os cristãos também.

Mas, por que os cristãos deveriam se preocupar com tais questões? Bem, porque a veracidade da nossa fé depende de certos eventos que realmente aconteceram no passado. Como o teólogo britânico Alan Richardson declarou:

A fé cristã é ... uma fé histórica ... está em estreita ligação com certos acontecimentos no passado, e se estes acontecimentos pudessem ser provados como nunca tendo acontecido ... então a ... fé cristã ... revelar-se-ia edificada sobre areia.(1)

Considere um exemplo. Os cristãos crêem que Jesus morreu na cruz pelos pecados do mundo. Agora, para que seja possível até que esta crença seja verdadeira, a crucificação de Jesus deve ter ocorrido na história. Se o relato da morte de Jesus na cruz é meramente lendário, ou de qualquer modo não-histórico, então a proclamação cristã de que ele morreu na cruz pelos nossos pecados não pode ser verdadeira. Como T. A. Roberts observou:

A verdade do Cristianismo está ancorada na história: por isso o ... reconhecimento de que se alguns ... dos eventos sobre os quais se pensa tradicionalmente que o Cristianismo está baseado pudessem ser provados como não históricos, então as reivindicações religiosas do Cristianismo estariam seriamente em perigo.(2)

O que realmente aconteceu no passado, portanto, é extremamente importante para o Cristianismo bíblico. Mas isto levanta uma questão importante: Como podemos realmente saber o que aconteceu no passado? Como podemos saber se as coisas sobre as quais lemos em nossos livros de história realmente aconteceram algum dia? Como podemos saber se Jesus realmente foi crucificado, como os escritores do Evangelho dizem que foi? Nós não estávamos lá para observar pessoalmente estes eventos. E (ao menos por enquanto) não existe uma máquina do tempo pela qual possamos visitar o passado e ver por nós mesmos o que realmente aconteceu. Os eventos do passado já se foram. Eles não estão mais diretamente disponíveis para estudo. Então, como podemos realmente saber o que aconteceu?

Para o cristão, tais questões nos confrontam com o problema de se o conhecimento genuíno do passado é possível, ou se estamos condenados para sempre a sermos céticos sobre os eventos históricos registrados na Bíblia. No restante deste artigo, espero demonstrar que deveríamos realmente ser céticos, particularmente com os argumentos dos céticos que dizem que não podemos conhecer nada a respeito do passado.

O Problema do Passado Inobservável

Não deveria nos surpreender que a verdade do Cristianismo dependa de certos eventos que realmente aconteceram no passado. O apóstolo Paulo disse aos coríntios: “Se Cristo não ressuscitou, nossa pregação é vã, e é vã a vossa fé” (1 Coríntios 15:14). Para Paulo, se a ressurreição corporal de Jesus não foi um evento histórico real, então a fé em Cristo era inútil. O que aconteceu no passado, portanto, é importante para o Cristianismo.

Mas alguns estudiosos insistem que nunca podemos realmente saber o que aconteceu no passado. Esta visão, chamada de relativismo histórico radical, nega que o conhecimento real, ou objetivo, do passado seja possível. Isto representa um desafio para o Cristianismo. Como o filósofo cristão Ronald Nash observa, “... o ceticismo sobre o passado que deve resultar de um relativismo histórico total enfraqueceria seriamente um dos maiores fundamentos apologéticos do Cristianismo”.(3)

Mas por que alguém seria cético sobre a nossa capacidade de conhecer ao menos alguma verdade objetiva sobre o passado? Uma razão tem que ver com a nossa incapacidade de observar diretamente o passado. O falecido Charles Beard notou que, ao contrário do químico, o historiador não pode observar diretamente os objetos de seu estudo. Seu único acesso ao passado vem através dos registros e artefatos que têm sobrevivido até o presente.(4)

Certamente existe alguma verdade nisto. Mas por que a incapacidade do historiador de observar diretamente o passado quer dizer que ele não possa ter conhecimento genuíno do passado? Beard contrasta o historiador com o químico, implicando que o último tem conhecimento objetivo da química. Mas é importante lembrar que os químicos individuais não adquirem todo o seu conhecimento através da observação científica direta. Na verdade, boa parte dela vem pela leitura de artigos publicados por outros químicos, artigos que funcionam de modo bem parecido com os documentos históricos do historiador!(5)

Mas o químico pode realmente obter conhecimento objetivo lendo tais artigos? Parece que sim. Suponha que um químico comece trabalhando em um novo problema baseado nos resultados cuidadosamente estabelecidos de experimentos anteriores. Mas, suponha que ele não tenha conduzido pessoalmente todos estes experimentos; ele meramente leu a respeito deles em publicações científicas. Qualquer conhecimento não verificado diretamente pelo químico seria conhecimento indireto.(6) Mas isso não está completamente desprovido de objetividade por essa razão.

Embora o conhecimento histórico possa ficar aquém da certeza absoluta (assim como invariavelmente a maior parte do nosso conhecimento), isto não o torna completamente subjetivo ou arbitrário. Além disso, visto como a maior parte do que sabemos não parece estar baseado em observação direta, nossa incapacidade de observar diretamente o passado não pode (ao menos em si mesma) tornar impossível o conhecimento genuíno da história. Em última análise, então, este argumento em favor do relativismo histórico simplesmente não é convincente.

O Problema da Perspectiva Pessoal

Eu conversei recentemente com um jovem que me disse que ele obtém suas notícias de três fontes diferentes: CNN, FOX e a BBC. Quando lhe perguntei o porquê, ele me disse que cada estação tem a sua perspectiva particular. Por isso ele escuta todas as três a fim de (esperançosamente) chegar a uma compreensão mais objetiva do que realmente está acontecendo no mundo.

É interessante que um problema semelhante tem sido observado na escrita da história. Os relativistas históricos argumentam que nenhum historiador pode ser completamente imparcial e neutro em sua descrição do passado. Ao invés disso, tudo o que ele escreve, desde a seleção dos fatos históricos até as conexões que ele vê entre esses fatos, é influenciado pela sua personalidade, valores e até preconceitos. Cada obra de história (inclusive os livros históricos da Bíblia) é considerada como tendo sido escrita a partir de um único ponto de vista. É relativa à perspectiva de um autor particular e, por isso, não pode ser objetiva.

Como os cristãos deveriam responder a isto? Os escritores bíblicos registraram com segurança o que aconteceu no passado? Ou os seus escritos são tão influenciados pelas suas personalidades e valores que não podemos nunca saber o que realmente aconteceu? Bem, provavelmente é verdade que cada obra de história, assim como cada história em um jornal, é colorida (ao menos até certo ponto) pela visão de mundo do autor. Neste sentido, objetividade absoluta é impossível. Mas será que isto significa que o relativismo histórico é verdadeiro? Não, de acordo com Norman Geisler. Ele escreve:

Objetividade perfeita pode ser praticamente inatingível dentro dos recursos limitados do historiador sobre a maioria, se não todos os temas. Mas ... a incapacidade de alcançar 100 por cento de objetividade é um longo caminho até a relatividade total.(7)

Embora os historiadores e relatores possam escrever da perspectiva de uma visão de mundo particular, não decorre que eles sejam completamente incapazes de ao menos alguma objetividade. Na verdade, existem certas salvaguardas que realmente ajudam a garantir isto. Suponha que um historiador escreva que o rei Nabucodonosor da Babilônia não capturou Jerusalém no século sexto a.C. Sua tese pode ser desafiada e corrigida com base na evidência histórica e arqueológica disponível que indica que Nabucodonosor fez isto de fato. Semelhantemente, se um jornal publicar uma história que mais tarde se revele incorreta, ele poderia ser forçado a publicar uma retratação.

Embora a objetividade completa em história possa ser impossível, um grau suficiente de objetividade pode ser alcançado porque a obra do historiador está sujeita a correção à luz da evidência. O problema da perspectiva pessoal, então, não leva inevitavelmente ao relativismo histórico total. Portanto, objeções à confiabilidade histórica da Bíblia que estejam baseadas neste argumento não são definitivamente persuasivas.

Problemas com o Relativismo Histórico

Temos visto que o relativismo histórico nega que possamos conhecer a verdade objetiva sobre o passado. Embora isto represente um desafio para o Cristianismo bíblico, os argumentos oferecidos em apoio a esta posição não são muito convincentes. Não apenas os argumentos em apoio não são convincentes, mas os argumentos contra esta posição são devastadores. Vejamos apenas dois.

Primeiro, existem muitos fatos da história sobre os quais virtualmente todos os historiadores estão de acordo – independentemente da sua visão de mundo. Por exemplo, que historiador responsável negaria seriamente que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos, ou que Abraham Lincoln pronunciou o Discurso de Gettysburg? Como certo relativista histórico admitiu, “existem fatos básicos que são os mesmos para todos os historiadores”.(8) Mas considere o que isto significa. Se um cristão, um budista, um ateísta e um muçulmano pudessem todos concordam com certos fatos básicos da história, então resultaria que ao menos algum conhecimento objetivo da história é possível. Mas, neste caso, o relativismo histórico total é falso, pois nega que tal conhecimento seja possível.

Outra razão para rejeitar o relativismo histórico é que ele torna impossível distinguir a boa história da história pobre, ou a história genuína da propaganda. Como Dr. Ronald Nash observa, “se o relativismo forte fosse verdadeiro, qualquer distinção entre a verdade e o erro na história desapareceria”.(9) Apenas pense no que isto significaria. Não haveria nenhuma diferença real entre história e ficção histórica! Além disso, não haveria nenhuma base legítima para criticar teorias históricas obviamente falsas. Isto revela que algo está errado com o relativismo histórico, pois, como Dr. Craig nos lembra, “todos os historiadores distinguem a boa história da pobre”. Por exemplo, ele recorda como Immanuel Velikovsky tentou “reescrever a história antiga com base em catástrofes de âmbito mundial causadas por forças extraterrestres ... rejeitando reinos antigos e línguas inteiras como fictícias”.(10)

Como os historiadores reagiram a tais idéias? De acordo com Edwin Yamauchi, que escreveu uma análise crítica detalhada da teoria, a maioria dos historiadores foram “bastante hostis” à obra de Velikovsky.(11) Eles se irritaram com o seu insensível desprezo pela evidência histórica real. De modo semelhante, basta lembrarmos da tremenda resposta crítica a algumas das mais ultrajantes alegações de Dan Brown em O Código Da Vinci. É importante notar que, quando os estudiosos criticam as teorias de Velikovsky e Brown, eles reconhecem tacitamente “a objetividade da história”.(12) Seu criticismo mostra que eles vêem estas teorias como falhas porque elas não correspondem ao que realmente aconteceu no passado.

Determinando a Verdade na História

Como podemos determinar o que realmente aconteceu no passado? Existe algum modo de separar o “trigo” do “joio”, por assim dizer, quando se trata de avaliar interpretações concorrentes de uma pessoa ou evento histórico particular? Por exemplo, se um escritor afirma que Jesus era casado, e outro afirma que não, como podemos determinar qual das afirmações é verdadeira?

Bem, como você provavelmente já pensou, o problema na verdade desce até a evidência. Pela informação a respeito de Jesus, virtualmente todos os estudiosos concordam que a nossa evidência mais valiosa vem dos Evangelhos do Novo Testamento. Cada um destes documentos pode ser seguramente datado do primeiro século, e “os eventos que registram estão baseados ou em testemunho ocular direto ou indireto”.(13) Assim, eles representam nossas melhores e mais antigas fontes de informação a respeito de Jesus.

Mas, ainda que limitemos nossa discussão a estas fontes, diferentes estudiosos ainda chegam a diferentes conclusões a respeito da situação conjugal de Jesus. Mais uma vez, como podemos determinar a verdade? Poderíamos empregar um modelo conhecido como inferência para a melhor explicação. Em poucas palavras, este modelo afirma que “o historiador deveria aceitar a hipótese que melhor explica toda a evidência”.(14) Ora, reconhecidamente, esta não é uma ciência exata. Mas, como Dr. Craig nos lembra, “o objetivo do conhecimento histórico é obter probabilidade, não certeza matemática”.(15) Exigir mais do que isso da história é simplesmente fazer exigências desarrazoadas. Até mesmo em um tribunal, devemos estar contentes com a prova além de uma dúvida razoável – não além de toda dúvida possível.(16)

Tendo estas coisas em mente, será que a evidência apóia melhor a hipótese de que Jesus era, ou não, casado? Se estiver interessado em tal discussão, eu recomendaria fortemente o recente livro de Darrell Bock, Quebrando o Código Da Vinci. Após um cuidadoso exame da evidência, ele conclui que Jesus definitivamente não era casado – uma conclusão compartilhada pela vasta maioria dos estudiosos do Novo Testamento.(17)

É claro que não estou tentando argumentar que este problema possa ser decisivamente resolvido simplesmente pela citação de uma autoridade (embora eu esteja sem dúvida de acordo com a conclusão de Dr. Bock). Antes, o meu ponto é que temos um modo de determinar a verdade na história. Avaliando cuidadosamente a melhor evidência disponível, e inferindo logicamente a melhor explicação dessa evidência, podemos determinar (às vezes com alto grau de probabilidade) o que realmente aconteceu no passado.

O Cristianismo é uma religião arraigada na história. Não uma história sobre a qual não possamos ter uma compreensão real, mas uma história que podemos conhecer e estar confiantes para crer.

Notas

1. Alan Richardson, Christian Apologetics (London: SCM, 1947), 91, cited in Ronald H. Nash, Christian Faith and Historical Understanding (Dallas: Word Publishing/Probe Books, 1984), 12.
2. T. A. Roberts, History and Christian Apologetic (London: SPCK, 1960), vii, cited in Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 12.
3. Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 77-78.
4. Esta informação vem da discussão de Ronald Nash sobre o ensaio de Charles Beard, "That Noble Dream," em Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 84.
5. William Lane Craig, Reasonable Faith: Christian Truth and Apologetics (Wheaton: Crossway Books, 1994), 176.
6. Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 85.
7. Norman Geisler, Christian Apologetics (Grand Rapids, Baker, 1976), 297, citado em Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 88-89.
8. E.H. Carr, What is History? (New York: Random House, 1953), 8, citado em Craig, Reasonable Faith, 185.
9. Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 88.
10. Craig, Reasonable Faith, 186-87.
11. Edwin Yamauchi, "Immanuel Velikovsky's Catastrophic History," Journal of the American Scientific Affiliation 25 (1973): 134, citado em Craig, Reasonable Faith, 187.
12. Craig, Reasonable Faith, 187.
13. Lee Strobel, The Case for Christ, (Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1998), 25.
14. Craig, Reasonable Faith, 184.
15. Ibid.
16. Ibid.
17. Darrell L. Bock, Breaking the Da Vinci Code (Nashville: Nelson Books, 2004), 31-45. Confira também o meu artigo anterior, "Redeeming The Da Vinci Code," em www.probe.org/redeeming_davinci.

© 2005 Probe Ministries
Fonte: Probe Ministries (http://www.probe.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria

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