Michael Gleghorn
A Importância da História
Podemos realmente saber alguma
coisa sobre o passado? Por exemplo, podemos realmente saber se Nabucodonosor
foi o rei da Babilônia no século sexto a.C., ou se Jesus de Nazaré foi uma
pessoa histórica real, ou se Abraham Lincoln fez o Discurso de Gettysburg?
Embora estas possam parecer questões que interessariam apenas a historiadores
profissionais, na verdade elas são importantes para os cristãos também.
Mas, por que os cristãos deveriam
se preocupar com tais questões? Bem, porque a veracidade da nossa fé depende de
certos eventos que realmente aconteceram no passado. Como o teólogo britânico
Alan Richardson declarou:
A fé
cristã é ... uma fé histórica ... está em estreita ligação com certos acontecimentos
no passado, e se estes acontecimentos pudessem ser provados como nunca tendo
acontecido ... então a ... fé cristã ... revelar-se-ia edificada sobre areia.(1)
Considere um exemplo. Os cristãos
crêem que Jesus morreu na cruz pelos pecados do mundo. Agora, para que seja
possível até que esta crença seja verdadeira, a crucificação de Jesus deve ter
ocorrido na história. Se o relato da morte de Jesus na cruz é meramente
lendário, ou de qualquer modo não-histórico, então a proclamação cristã de que
ele morreu na cruz pelos nossos pecados não pode ser verdadeira. Como T. A.
Roberts observou:
A
verdade do Cristianismo está ancorada na história: por isso o ...
reconhecimento de que se alguns ... dos eventos sobre os quais se pensa
tradicionalmente que o Cristianismo está baseado pudessem ser provados como não
históricos, então as reivindicações religiosas do Cristianismo estariam
seriamente em perigo.(2)
O que realmente aconteceu no
passado, portanto, é extremamente importante para o Cristianismo bíblico. Mas
isto levanta uma questão importante: Como podemos realmente saber o que
aconteceu no passado? Como podemos saber se as coisas sobre as quais lemos em
nossos livros de história realmente aconteceram algum dia? Como podemos saber
se Jesus realmente foi crucificado,
como os escritores do Evangelho dizem que foi? Nós não estávamos lá para
observar pessoalmente estes eventos. E (ao menos por enquanto) não existe uma
máquina do tempo pela qual possamos visitar o passado e ver por nós mesmos o
que realmente aconteceu. Os eventos do passado já se foram. Eles não estão mais
diretamente disponíveis para estudo. Então, como podemos realmente saber o que aconteceu?
Para o cristão, tais questões nos
confrontam com o problema de se o conhecimento genuíno do passado é possível,
ou se estamos condenados para sempre a sermos céticos sobre os eventos
históricos registrados na Bíblia. No restante deste artigo, espero demonstrar
que deveríamos realmente ser céticos, particularmente com os argumentos dos
céticos que dizem que não podemos conhecer nada a respeito do passado.
O Problema do Passado Inobservável
Não deveria nos surpreender que a
verdade do Cristianismo dependa de certos eventos que realmente aconteceram no
passado. O apóstolo Paulo disse aos coríntios: “Se Cristo não ressuscitou,
nossa pregação é vã, e é vã a vossa fé” (1 Coríntios 15:14). Para Paulo, se a
ressurreição corporal de Jesus não foi um evento histórico real, então a fé em
Cristo era inútil. O que aconteceu no passado, portanto, é importante para o Cristianismo.
Mas alguns estudiosos insistem que
nunca podemos realmente saber o que
aconteceu no passado. Esta visão, chamada de relativismo histórico radical,
nega que o conhecimento real, ou objetivo, do passado seja possível. Isto
representa um desafio para o Cristianismo. Como o filósofo cristão Ronald Nash
observa, “... o ceticismo sobre o passado que deve resultar de um relativismo
histórico total enfraqueceria seriamente um dos maiores fundamentos
apologéticos do Cristianismo”.(3)
Mas por que alguém seria cético
sobre a nossa capacidade de conhecer ao menos alguma verdade objetiva sobre o
passado? Uma razão tem que ver com a nossa incapacidade de observar diretamente
o passado. O falecido Charles Beard notou que, ao contrário do químico, o
historiador não pode observar diretamente os objetos de seu estudo. Seu único
acesso ao passado vem através dos registros e artefatos que têm sobrevivido até
o presente.(4)
Certamente existe alguma verdade
nisto. Mas por que a incapacidade do historiador de observar diretamente o
passado quer dizer que ele não possa ter conhecimento genuíno do passado? Beard
contrasta o historiador com o químico, implicando que o último tem conhecimento
objetivo da química. Mas é importante lembrar que os químicos individuais não
adquirem todo o seu conhecimento
através da observação científica direta. Na verdade, boa parte dela vem pela
leitura de artigos publicados por outros químicos, artigos que funcionam de
modo bem parecido com os documentos históricos do historiador!(5)
Mas o químico pode realmente obter
conhecimento objetivo lendo tais artigos? Parece que sim. Suponha que um
químico comece trabalhando em um novo problema baseado nos resultados
cuidadosamente estabelecidos de experimentos anteriores. Mas, suponha que ele
não tenha conduzido pessoalmente todos estes experimentos; ele meramente leu a
respeito deles em publicações científicas. Qualquer conhecimento não verificado
diretamente pelo químico seria conhecimento indireto.(6) Mas isso não está completamente desprovido de objetividade
por essa razão.
Embora o conhecimento histórico
possa ficar aquém da certeza absoluta (assim como invariavelmente a maior parte
do nosso conhecimento), isto não o torna completamente subjetivo ou arbitrário.
Além disso, visto como a maior parte do que sabemos não parece estar baseado em
observação direta, nossa incapacidade de observar diretamente o passado não
pode (ao menos em si mesma) tornar impossível o conhecimento genuíno da
história. Em última análise, então, este argumento em favor do relativismo
histórico simplesmente não é convincente.
O Problema da Perspectiva Pessoal
Eu conversei recentemente com um
jovem que me disse que ele obtém suas notícias de três fontes diferentes: CNN,
FOX e a BBC. Quando lhe perguntei o porquê, ele me disse que cada estação tem a
sua perspectiva particular. Por isso ele escuta todas as três a fim de
(esperançosamente) chegar a uma compreensão mais objetiva do que realmente está
acontecendo no mundo.
É interessante que um problema
semelhante tem sido observado na escrita da história. Os relativistas
históricos argumentam que nenhum historiador pode ser completamente imparcial e
neutro em sua descrição do passado. Ao invés disso, tudo o que ele escreve,
desde a seleção dos fatos históricos até as conexões que ele vê entre esses
fatos, é influenciado pela sua personalidade, valores e até preconceitos. Cada
obra de história (inclusive os livros históricos da Bíblia) é considerada como
tendo sido escrita a partir de um único ponto de vista. É relativa à
perspectiva de um autor particular e, por isso, não pode ser objetiva.
Como os cristãos deveriam
responder a isto? Os escritores bíblicos registraram com segurança o que
aconteceu no passado? Ou os seus escritos são tão influenciados pelas suas
personalidades e valores que não podemos nunca saber o que realmente aconteceu? Bem, provavelmente é verdade que cada obra de
história, assim como cada história em um jornal, é colorida (ao menos até certo
ponto) pela visão de mundo do autor. Neste sentido, objetividade absoluta é
impossível. Mas será que isto significa que o relativismo histórico é
verdadeiro? Não, de acordo com Norman Geisler. Ele escreve:
Objetividade
perfeita pode ser praticamente inatingível dentro dos recursos limitados do
historiador sobre a maioria, se não todos os temas. Mas ... a incapacidade de
alcançar 100 por cento de objetividade é um longo caminho até a relatividade
total.(7)
Embora os historiadores e
relatores possam escrever da perspectiva de uma visão de mundo particular, não
decorre que eles sejam completamente incapazes de ao menos alguma objetividade.
Na verdade, existem certas salvaguardas que realmente ajudam a garantir isto.
Suponha que um historiador escreva que o rei Nabucodonosor da Babilônia não
capturou Jerusalém no século sexto a.C. Sua tese pode ser desafiada e corrigida
com base na evidência histórica e arqueológica disponível que indica que Nabucodonosor
fez isto de fato. Semelhantemente, se um jornal publicar uma história que mais
tarde se revele incorreta, ele poderia ser forçado a publicar uma retratação.
Embora a objetividade completa em
história possa ser impossível, um grau suficiente de objetividade pode ser
alcançado porque a obra do historiador está sujeita a correção à luz da
evidência. O problema da perspectiva pessoal, então, não leva inevitavelmente
ao relativismo histórico total. Portanto, objeções à confiabilidade histórica
da Bíblia que estejam baseadas neste argumento não são definitivamente
persuasivas.
Problemas com o Relativismo Histórico
Temos visto que o relativismo
histórico nega que possamos conhecer a verdade objetiva sobre o passado. Embora
isto represente um desafio para o Cristianismo bíblico, os argumentos
oferecidos em apoio a esta posição não são muito convincentes. Não apenas os
argumentos em apoio não são
convincentes, mas os argumentos contra esta
posição são devastadores. Vejamos apenas dois.
Primeiro, existem muitos fatos da
história sobre os quais virtualmente todos os historiadores estão de acordo –
independentemente da sua visão de mundo. Por exemplo, que historiador
responsável negaria seriamente que George Washington foi o primeiro presidente
dos Estados Unidos, ou que Abraham Lincoln pronunciou o Discurso de Gettysburg?
Como certo relativista histórico admitiu, “existem fatos básicos que são os mesmos
para todos os historiadores”.(8) Mas considere o que isto significa. Se um
cristão, um budista, um ateísta e um muçulmano pudessem todos concordam com
certos fatos básicos da história, então resultaria que ao menos algum
conhecimento objetivo da história é possível. Mas, neste caso, o relativismo
histórico total é falso, pois nega que
tal conhecimento seja possível.
Outra razão para rejeitar o
relativismo histórico é que ele torna impossível distinguir a boa história da
história pobre, ou a história genuína da propaganda. Como Dr. Ronald Nash
observa, “se o relativismo forte fosse verdadeiro, qualquer distinção entre a
verdade e o erro na história desapareceria”.(9) Apenas pense no que isto
significaria. Não haveria nenhuma diferença real entre história e ficção
histórica! Além disso, não haveria nenhuma base legítima para criticar teorias
históricas obviamente falsas. Isto revela que algo está errado com o
relativismo histórico, pois, como Dr. Craig nos lembra, “todos os historiadores
distinguem a boa história da pobre”. Por exemplo, ele recorda como Immanuel
Velikovsky tentou “reescrever a história antiga com base em catástrofes de
âmbito mundial causadas por forças extraterrestres ... rejeitando reinos
antigos e línguas inteiras como fictícias”.(10)
Como os historiadores reagiram a
tais idéias? De acordo com Edwin Yamauchi, que escreveu uma análise crítica
detalhada da teoria, a maioria dos historiadores foram “bastante hostis” à obra
de Velikovsky.(11) Eles se irritaram com o seu insensível desprezo pela
evidência histórica real. De modo semelhante, basta lembrarmos da tremenda
resposta crítica a algumas das mais ultrajantes alegações de Dan Brown em O Código Da Vinci. É importante notar
que, quando os estudiosos criticam as teorias de Velikovsky e Brown, eles
reconhecem tacitamente “a objetividade da história”.(12) Seu criticismo mostra
que eles vêem estas teorias como falhas porque elas não correspondem ao que
realmente aconteceu no passado.
Determinando a Verdade na História
Como podemos determinar o que
realmente aconteceu no passado? Existe algum modo de separar o “trigo” do
“joio”, por assim dizer, quando se trata de avaliar interpretações concorrentes
de uma pessoa ou evento histórico particular? Por exemplo, se um escritor
afirma que Jesus era casado, e outro afirma que não, como podemos determinar
qual das afirmações é verdadeira?
Bem, como você provavelmente já
pensou, o problema na verdade desce até a evidência. Pela informação a respeito
de Jesus, virtualmente todos os estudiosos concordam que a nossa evidência mais
valiosa vem dos Evangelhos do Novo Testamento. Cada um destes documentos pode
ser seguramente datado do primeiro século, e “os eventos que registram estão
baseados ou em testemunho ocular direto ou indireto”.(13) Assim, eles representam
nossas melhores e mais antigas fontes de informação a respeito de Jesus.
Mas, ainda que limitemos nossa
discussão a estas fontes, diferentes estudiosos ainda chegam a diferentes
conclusões a respeito da situação conjugal de Jesus. Mais uma vez, como podemos
determinar a verdade? Poderíamos empregar um modelo conhecido como inferência
para a melhor explicação. Em poucas palavras, este modelo afirma que “o
historiador deveria aceitar a hipótese que melhor explica toda a
evidência”.(14) Ora, reconhecidamente, esta não é uma ciência exata. Mas, como
Dr. Craig nos lembra, “o objetivo do conhecimento histórico é obter
probabilidade, não certeza matemática”.(15) Exigir mais do que isso da história
é simplesmente fazer exigências desarrazoadas. Até mesmo em um tribunal,
devemos estar contentes com a prova além de uma dúvida razoável – não além de
toda dúvida possível.(16)
Tendo estas coisas em mente, será
que a evidência apóia melhor a hipótese de que Jesus era, ou não, casado? Se
estiver interessado em tal discussão, eu recomendaria fortemente o recente
livro de Darrell Bock, Quebrando o Código
Da Vinci. Após um cuidadoso exame da evidência, ele conclui que Jesus
definitivamente não era casado – uma
conclusão compartilhada pela vasta maioria dos estudiosos do Novo
Testamento.(17)
É claro que não estou tentando
argumentar que este problema possa ser decisivamente resolvido simplesmente
pela citação de uma autoridade (embora eu esteja sem dúvida de acordo com a
conclusão de Dr. Bock). Antes, o meu ponto é que temos um modo de determinar a
verdade na história. Avaliando cuidadosamente a melhor evidência disponível, e
inferindo logicamente a melhor explicação dessa evidência, podemos determinar
(às vezes com alto grau de probabilidade) o que realmente aconteceu no passado.
O Cristianismo é uma religião arraigada
na história. Não uma história sobre a qual não possamos ter uma compreensão
real, mas uma história que podemos conhecer e estar confiantes para crer.
Notas
1. Alan Richardson, Christian Apologetics (London:
SCM, 1947), 91, cited in Ronald H. Nash, Christian Faith and Historical
Understanding (Dallas: Word Publishing/Probe Books, 1984), 12.
2. T. A. Roberts, History
and Christian Apologetic (London: SPCK, 1960), vii, cited in
Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 12.
4. Esta informação vem da
discussão de Ronald Nash sobre o ensaio de Charles Beard, "That Noble
Dream," em Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 84.
5. William Lane Craig, Reasonable
Faith: Christian Truth and Apologetics (Wheaton: Crossway Books,
1994), 176.
7. Norman Geisler, Christian
Apologetics (Grand Rapids, Baker, 1976), 297, citado em Nash, Christian
Faith and Historical Understanding, 88-89.
8. E.H. Carr, What is
History? (New York: Random House, 1953), 8, citado em Craig,
Reasonable Faith, 185.
11. Edwin Yamauchi,
"Immanuel Velikovsky's Catastrophic History," Journal of the
American Scientific Affiliation 25 (1973): 134, citado em Craig,
Reasonable Faith, 187.
17. Darrell L. Bock, Breaking
the Da Vinci Code (Nashville: Nelson Books, 2004), 31-45. Confira
também o meu artigo anterior, "Redeeming The Da Vinci Code," em
www.probe.org/redeeming_davinci.
© 2005 Probe
Ministries
Fonte: Probe
Ministries (http://www.probe.org)
Tradução:
Rodrigo Reis de Faria
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