terça-feira, 21 de agosto de 2012

As Pirâmides do Egito Antigo


David Down

As pirâmides do Egito são estruturas impressionantes e fascinam as pessoas até hoje. Existem ao todo cerca de 100 pirâmides, algumas apenas simbólicas e pequenas. Mas 17 delas são grandes pirâmides, cujo tamanho e composição confundem a mente daqueles que as visitam.

Críticos usam as pirâmides para afirmar que a Bíblia não pode estar correta. Eles dizem que as pirâmides foram construídas muito antes do Dilúvio, portanto o Dilúvio deve ter sido apenas um acontecimento local, e não global como diz a Bíblia. Caso contrário, as pirâmides teriam sido soterradas sob grandes quantidades de sedimento.


Pouco se sabe a respeito do faraó Neferhotep I (à esquerda). Alguns historiadores bíblicos acreditam que ele pode ter sido o rei que perseguiu os hebreus e sob cujo reinado anti-judaico ocorreu o êxodo. Seu corpo e sua tumba nunca foram encontrados.

O problema está na maneira como os estudiosos modernos desenvolveram a sua cronologia do Egito. Maneto, um sacerdote egípcio, deixou uma lista de reis e dinastias com a duração dos seus reinados, e apesar de inscrições nas tumbas e templos fornecerem alguma informação cronológica, o problema está em como interpretar essa informação. Com tão pouco para trabalhar, os arqueólogos têm feito abundantes suposições. E os estudiosos modernos desenvolveram uma extensa cronologia, compatível com a idéia de que os humanos evoluíram ao longo de milhões de anos.

Tudo isso transformou essas maravilhas do mundo antigo em um enigma. Se as primeiras sociedades humanas evoluíram a partir de primitivos coletores-caçadores, como os artífices antigos poderiam ter construído essas impressionantes estruturas? Se eles começaram sem tecnologia ou organização social, por que essas incríveis proezas da engenharia irromperam no mundo antigo? Alguns têm até questionado se a tecnologia não teria sido fornecida por alienígenas.

Mas as pirâmides do Egito não são enigma quando usamos a história bíblica como o nosso ponto de partida. De acordo com a Bíblia, os primeiros colonizadores do Egito migraram a partir do Rio Eufrates, local da Torre de Babel, onde as línguas foram confundidas após o Dilúvio. A cronologia moderna do Egito é demasiadamente longa porque as dinastias foram colocadas seqüencialmente, ao passo que foram, em maior ou menor extensão, contemporâneas. Em outras palavras, os reinos foram concorrentes entre si. Além disso, algumas dinastias podem simplesmente não ter existido.

Parece que os primeiros colonizadores do Egito descenderam de Mizraim, filho de Cam (Gênesis 10:6, 13). É por isso que, logo na primeira dinastia, entra em cena um povo de cultura e habilidades que já possuia uma forma de escrita.

Durante as duas primeiras dinastias, os primeiros colonizadores não construíram pirâmides. Ao invés disso, os reis eram enterrados em câmaras debaixo de edifícios construídos com tijolos de barro, chamados mastabas. Contudo, na terceira dinastia, o Rei Zoser teve um vizir (primeiro-ministro) chamado Imhotep, que usou blocos irregulares de pedra, em lugar de tijolos, para construir a mastaba do rei. A seguir, acrescentou seis níveis, formando a famosa Pirâmide em Degraus de Saqqara, na margem oeste do Rio Nilo, a 20 quilômetros ao sul da moderna cidade do Cairo. Acredita-se que esta seja a primeira  pirâmide construída no Egito.

Seneferu e filho

O maior construtor de pirâmides até agora conhecido foi Seneferu, primeiro rei da quarta dinastia. A cerca de 40 quilômetros ao sul de Saqqara, em Meidum, ele construiu a primeira pirâmide com o verdadeiro formato piramidal. Infelizmente, as pedras mais externas desmoronaram, deixando apenas um “miolo” em formato piramidal.

Seneferu construiu outra pirâmide mais próxima de Saqqara, em Dahshur. É conhecida como Pirâmide Romboidal, pois a metade inferior se eleva num ângulo de 54 graus, bem mais íngreme que a metade superior, que tem apenas 43 graus. Existem rachaduras em algumas pedras inferiores, portanto, pode ser que os construtores de Seneferu temessem que a pressão fosse muito grande e completaram a pirâmide em um ângulo mais seguro. Esta evidência clara de experimento e fracasso é o que esperaríamos de seres humanos inteligentes, mas falhos. Isto mostra como é absurda a idéia de que alienígenas superiores as tenham construído.

Não satisfeito com esses imensos monumentos, Seneferu construiu então a Pirâmide Vermelha, também em Dahshur. Toda esta pirâmide está no ângulo inferior de 43 graus. Talvez esta fosse sua última tentativa de ter uma pirâmide que não desmoronasse sobre ele depois que fosse enterrado!


A força de trabalho do faraó

Recentemente, o arqueólogo Mark Lehner desenterrou o vilarejo onde os construtores de pirâmides viviam. Ele descobriu uma padaria que estimou poderia ter produzido pão diariamente para 20.000 trabalhadores. Ele também descobriu o cemitério no qual os operários que morriam em trabalho eram enterrados. Alguns deles até tinham ossos fraturados por esmagamento de pesos imensos, porém o uso de talas e hábeis cuidados médicos haviam permitido que os ossos novamente se unissem. Em outras palavras, existe abundante evidência para provar que as pirâmides foram construidas por pessoas reais e não por homens de Marte ou astronautas de uma civilização perdida. Não é motivo de surpresa se você pensar a partir da Bíblia.

O filho de Seneferu, Khufu (os historiadores gregos chamavam-no Quéops) construiu a maior de todas as pirâmides, no Platô de Gizé, ao norte de Saqqara e a 15 quilômetros ao oeste da moderna cidade do Cairo. Ela tem 146 metros de altura e é conhecida como a Grande Pirâmide, e empregou uma imensa força de trabalho (ver quadro sobre a força de trabalho do Faraó).

Ao todo, ela contém mais ou menos três milhões de imensos blocos de pedra, dos quais alguns pesam cerca de 15 toneladas. A câmara da tumba do rei está alinhada com imensos blocos de granito, transportados Nilo abaixo desde Aswan, a 1.000 quilômetros ao sul do Cairo. Eles pesam 30 toneladas cada, mas foram tão perfeitamente esquadrados que não é possível passar entre eles um cartão postal. Como eles atingiram tal precisão é motivo de grande admiração (ver quadro “Como as pedras foram colocadas em seu lugar”).

Dinastias de pirâmides

O filho de Khufu, Djedefre, continuou a tradição da família, e construiu uma pirâmide em Abu Roash, a poucos quilômetros a noroeste de Gizé. Ou ela nunca foi acabada, ou ladrões de pedras do local removeram a maior parte das pedras superiores.

Os dois reis seguintes da dinastia, Khafre (gr. Quéfren) e Menkauré (gr. Miquerinos), construiram suas pirâmides novamente no platô de Gizé. A pirâmide de Khafre é quase tão alta quanto a de Khufu, mas possui um ângulo mais íngreme, portanto, foi necessário um número menor de pedras.







Princesa egípcia Sobekneferu. Seria este o rosto da mulher que tirou Moisés das águas, porque não tivera seu próprio filho? Alguns estudiosos bíblicos acreditam que sim.
Esta estátua do rei Zoser parece rude porque ladrões roubaram os olhos originalmente embutidos e desfiguraram o rosto. Juntamente com seu arquiteto, Imhotep, ele foi responsável pela primeira pirâmide.

A pirâmide de Menkauré tem apenas um quarto do tamanho das anteriormente citadas, mas as camadas inferiores foram revestidas com blocos de granito de Aswan. O lado externo de alguns desses blocos de granito não foi completado, por isso os arqueólogos consideram que os blocos externos não foram cortados exatamente antes de serem colocados em seu lugar. Mais provavelmente, foram postos em seu lugar e depois os pedreiros começaram a trabalhar de cima para baixo, revestindo os blocos externos à medida que desciam.

As pirâmides da quinta e sexta dinastias foram trabalhos inferiores, feitas de alvenaria, mas revestidas com belas pedras brancas. A maioria destas pedras foi roubada, deixando pilhas desordenadas de escombros. Unas, o útimo rei da quinta dinastia, introduziu uma nova característica nesse período. Ele mandou inscrever linhas verticais de textos hieroglíficos em suas câmaras mortuárias. As pirâmides anteriores não apresentavam nenhum texto original.

As dinastias sétima à décima, do Primeiro Período Intermediário, têm sido tradicionalmente consideradas um tempo de pobreza e confusão. Contudo, alguns estudiosos(1) sugerem que essas dinastias não existiram, pelo menos como dinastias independentes — outro motivo por que a cronologia egípcia tradicionalmente aceita precisa ser abreviada.

Pirâmides de tijolos de barro

As pirâmides seguintes compreendem o assim chamado Reino Médio, um período de poder e afluência. Com a cronologia egípcia abreviada, advogada por alguns estudiosos,(1) José e depois Jacó e sua família podem muito bem ter chegado ao Egito durante a 12ª. dinastia, e Moisés pode ter nascido antes que a dinastia acabasse.


Os registros bíblicos


A pirâmide de tijolos de barro de Amenemhet III. Ele pode ter sido o faraó que reinou durante o tempo em que Moisés esteve na casa do rei.



Tijolo de barro misturado com palha – talvez como aqueles que os israelitas faziam (Êxodo 1:14; 5:7-19).

A maioria das pirâmides construídas nessa dinastia foram feitas com milhões de grandes tijolos de barro secos ao sol. A seguir, a estrutura era revestida com pedras polidas para dar a aparência de uma verdadeira pirâmide de pedra. Contudo, as pedras foram roubadas há muito tempo, restando apenas uma imensa pilha de tijolos de barro.

O historiador judeu Flávio Josefo escreveu a respeito dos escravos israelitas no Egito: “Eles [os capatazes egípcios] colocaram-nos também para construir pirâmides.”(2) A maioria dos arqueólogos rejeita esta declaração com base em que toda a construção de pirâmides havia terminado antes de os israelitas chegarem ao Egito.

Contudo, pela cronologia abreviada, as datas das primeiras dinastias seria reduzida, e os israelitas teriam estado no Egito durante a 12ª. dinastia. Isto também estaria em harmonia com o tipo de pirâmides evidentes nesse período, ou seja, de tijolos de barro. De acordo com Êxodo 5:7, o Faraó disse aos capatazes: “Não mais dareis ao povo palha para fazerem tijolos como antes. Deixai-os ir e recolher palha por si mesmos.” Parece que foi os arqueólogos erraram, ao invés de Josefo.

Existe também evidência de que havia escravos asiáticos (povos da Síria ou da Palestina) no Egito durante essa dinastia. Dr. Rosalie David, em seu livro The Pyramid Builders of Ancient Egypt, escreveu: “É evidente que os asiáticos estavam presentes na cidade em certas quantidades, e isto pode ter refletido a situação em toda a parte no Egito ... Sua pátria exata na Síria ou na Palestina não pode ser determinada ... o motivo de sua presença no Egito continua incerto.”(3) Mas não é incerto quando partimos da Bíblia.


Mumificação

As pessoas geralmente associam o Egito às múmias. A aridez do clima preservou os corpos enterrados em buracos rasos de areia, como na imagem abaixo.


Os egípcios intencionalmente mumificavam seus mortos desde o princípio da sua história. O processo era dispendioso e geralmente só os governantes ou a nobreza podiam custeá-lo.

Os passos envolvidos levavam aproximadamente 70 dias e exigiam a remoção de toda a umidade do corpo, para que a forma seca não se corrompesse facilmente. Finalmente, após todos os órgãos terem sido removidos, o corpo sofria vários tratamentos e era envolvido em bandagens de linho de até cem metros de comprimento.

Assim como muitas sociedades pagãs, os egípcios antigos não seguiam o verdadeiro Deus Criador da Bíblia. Eles criam que a preservação de seus corpos tal como em vida de algum modo lhes garantiria a vida eterna.

Construir seus monumentos  colossais em pedra era visto como construir para a eternidade.

Sir Flinders Petrie e Rosalie David não puderam entender o motivo da presença deles no Egito porque se apegaram às datas tradicionais para a 12ª. dinastia, que eram de 1990 a 1785 a.C., ao passo que as datas bíblicas para a presença israelita no Egito era de  aproximadamente 1660 a 1445 a.C. (1 Reis 6:1).

É significativo que esses escravos desapareceram repentinamente, e os arqueólogos tradicionais não sabem o porquê. Não é normal escravos de repente irem embora em massa, mas Dr. David escreveu: “Existem diferentes opiniões sobre como este período de ocupação em Kahun chegou a um fim ... A quantidade, variedade e tipo de artigos de uso cotidiano deixados para trás nas casas pode realmente sugerir que a partida foi repentina e não premeditada.”(4)

Todos esses problemas desaparecem quando começamos com a história e cronologia confiáveis da Bíblia.

A última grande pirâmide

A última das grandes pirâmides do Egito foi construída por Amenemhet III em Hawarra, a 100 quilômetros ao sul da moderna cidade do Cairo. Este Faraó poderia muito bem ter sido o pai adotivo de Moisés.

Sua filha, Sobekneferu, foi o último governante dessa dinastia, e ela não teve nenhum filho para sucedê-la. Esta poderia muito bem ter sido a filha do Faraó que “desceu a lavar-se no rio” (Êxodo 2:5). Isto não foi porque não tivesse nenhum banheiro no palácio real. Mais provavelmente, ela deve ter ido ali para orar ao deus do Nilo e da fertilidade, Hapi, pedindo um bebê. Quando o cesto contendo o bebê Moisés chamou a sua atenção, ela poderia ter considerado isto uma resposta à sua oração.

Mas quando Moisés fez 40 anos de idade, ele mostrou sua simpatia pelos escravos israelitas, matando um de seus opressores. Quando isto chegou ao conhecimento do Faraó, Moisés precisou fugir para a terra distante de Midiã. Por isso, quando Sobekneferu morreu, a dinastia chegou ao fim. Então, 40 anos depois da fuga de Moisés, Deus lhe disse: “todos os que procuravam a tua vida estão mortos” (Êxodo 4:19). Ele voltou ao Egito e confrontou um dos faraós da 13ª dinastia, provavelmente Neferhotep I, cuja múmia ou local de sepultamento nunca foram encontrados.

Quando consideramos a história e cronologia da Bíblia tais como escritas, vemos que elas explicam notavemente a evidência arqueológica. Os construtores de pirâmides não foram homens que evoluíram a partir de animais ao longo de milhões de anos. Ao invés disso, eles fizeram parte de uma avançada civilização que construiu uma imponente torre, que se elevava nas planícies da Babilônia (Gênesis 11); um povo descendente de uma família que desembarcou de uma Arca de 15.000 toneladas (Gênesis 6 a 8). Ainda não sabemos exatamente como eles realizaram todos os seus feitos de engenharia no Egito antigo, mas podemos ter a certeza de que um povo que estava a menos de 30 gerações de Adão possuía incríveis habilidades intelectuais.


Como as pedras foram colocadas em seu lugar?

Existem várias teorias que explicam como os blocos das imensas pirâmides do Egito foram colocados em seu lugar. Não há necessidade de teorias misteriosas ou de tecnologia da era espacial.

As pedras poderiam ter sido arrastadas por uma rampa. Contudo, essa rampa precisaria se estender por centenas de metros e conteria uma quantidade imensa de tijolos ou pedregulho. Uma idéia alternativa é a de uma rampa espiral envolvendo a pirâmide, à medida que esta aumentava a sua altura. Dr. Zahi Hawass, destacado arqueólogo do Egito, concluiu que poderia ter sido uma combinação das duas.

Na verdade, as camadas inferiores não são problema. A plataforma sobre a qual a pirâmide está construída foi escavada no leito rochoso e está abaixo do nível do solo, portanto os blocos poderiam ter sido cortados a partir dessa depressão. À medida que aumentava a altura, os blocos ficavam menores, de forma que não teria sido muito difícil levá-los para cima, embora ainda fosse uma tarefa formidável.

Nenhum arqueólogo qualificado aceita que as pedras tenham sido “despejadas” como concreto. O fato de que em muitos lugares reboco à base de cal tenha sido usado como argamassa para unir as pedras torna óbvio que eram pedras cavoucadas. A maioria das pedras foram cortadas a partir de um imenso bloco a aproximadamente 500 metros da pirâmide. Cortes quadrados nos lados desse bloco revelam de onde as pedras vieram.

Os primeiros egípcios não usavam a roda, a qual teria sido inútil sobre o platô arenoso no qual as pirâmides foram construídas. Ao invés disso, eles usavam trenós, e o trajeto ao longo do qual os blocos foram puxados pode ser traçado.

Assim, embora a tecnologia seja perfeitamente compreensível, ainda temos grande admiração pela habilidade que os construtores demonstraram ao levar essas imensas pedras até o seu lugar com uma simetria tão precisa.


Referências

1. James, P., Centuries of Darkness: A Challenge to the Conventional Chronology of Old World Archaeology, Cape, London, 1991; também Down, D., Searching for Moses, TJ 15(1):53–57, 2001.
2. Josephus, F., Antiquities of the Jews, II-IX-1.
3. David, A.R., The Pyramid Builders of Ancient Egypt: A modern investigation of Pharaoh’s workforce, Guild Publishing, London, p. 191, 1986.
4. Ref. 3, p. 199.

Fonte: Answers in Genesis (http://www.answersingenesis.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria (rodrigoreisdefaria@gmail.com)

domingo, 19 de agosto de 2012

O Mundo do Apóstolo Paulo

Rick Wade

O propósito deste ensaio é lançar um olhar rápido no mundo greco-romano em que o apóstolo Paulo viveu, para que possamos compreender melhor o seu ministério. Entender o contexto histórico nos ajuda a obter tal perspectiva. Discutiremos a religião, filosofia, unidade familiar e moral social da cultura helenística, com uma análise conclusiva sobre o conflito que os cristãos enfrentavam.

Religião

Comecemos com a religião do primeiro século. Dois episódios no livro de Atos fornecem uma compreensão das crenças e práticas religiosas daquele tempo.

Em Atos 19, lemos a respeito do transtorno em que os companheiros de Paulo se envolveram durante o seu ministério em Éfeso. Artífices que fabricavam miniaturas do santuário de Ártemis, a divindade local, se opuseram ao ensino de Paulo de que “os deuses feitos por homens não são deuses” (Atos 19:26). No mundo de Paulo, a religião era parte integral da vida de todos. Os cultos cívicos patrocinados pelo Estado eram uma expressão religiosa em que todos participavam. O historiador Everett Ferguson observa que “as crenças e práticas religiosas mais profundamente arraigadas tanto na Grécia como em Roma ... estavam associadas ao culto cívico tradicional”.(1) O Estado tanto custeava como lucrava com esses cultos.

Cada cidade possuía a sua divindade benfeitora. A cidade de Éfeso honrava Ártemis, a deusa da natureza e da concepção. A estátua de Ártemis estava em um magnífico templo, quatro vezes maior que o Partenon de Atenas. Divindades como Ártemis eram honradas com festivais, sacrifícios, procissões, disputas atléticas e a execução de rituais de mistério. As orações incluíam invocação, louvor e petição, com o objetivo de receber o favor da deusa. Sacrifícios eram oferecidos em louvor, ação de graças ou súplica.

O tumulto em Éfeso que resultou do ensino de Paulo fora provocado parcialmente por preocupações financeiras; os artífices ficaram com medo de perder o seu negócio. Mas o canto: “Grande é Ártemis dos efésios”, que prosseguiu por duas horas – por pessoas que nem sequer sabiam qual era o problema específico – mostra que o problema não era apenas dinheiro. A força da devoção religiosa aos cultos cívicos era tal que os imperadores romanos viam a vantagem de se identificarem com eles ao invés de combatê-los. Mais adiante falaremos mais sobre isso neste ensaio.

Éfeso também era um centro importante de atividade mágica, outra parte da prática religiosa do primeiro século. Em Atos 19, lemos a respeito de praticantes de magia ou feitiçaria abandonando suas práticas e queimando seus rolos na medida em que declaravam publicamente sua nova fé.

Os rolos dos efésios continham palavras e fórmulas secretas que eram usadas para forçar os deuses a cumprir as ordens de alguém. A fórmula precisa era crucial. Os praticantes buscavam riqueza, cura, ou poder; eles usavam a magia até na tentativa de obter o amor de outra pessoa. Porque também se acreditava que conhecer o verdadeiro nome de alguém era ter poder sobre essa pessoa, nomes e fórmulas eram misturados para produzir uma magia forte.

Paulo levou sua mensagem a um mundo com uma multidão de crenças religiosas, e a mensagem que ele proclamava mostrava o seu poder sobre elas. Quando olhamos para a nossa cultura com o seu espectro religioso cada vez mais pluralista, devemos nos lembrar de que também levamos o mesmo evangelho, com o mesmo poder.

Filosofia

Quando o apóstolo Paulo visitou Atenas, ele levou a mensagem de Cristo ao mercado, onde uma grande variedade de pessoas podiam ser encontradas. Entre aqueles com quem falava, estavam os filósofos epicureus e estóicos. Lemos a respeito do seu encontro com eles em Atos 17.

Quem eram estes epicureus e estóicos? Gostaria de fazer um esboço muito breve acerca das suas idéias sobre Deus, o homem e o mundo, que nos ajudará a entender por que Paulo disse o que disse.

O estoicismo e o epicurismo eram filosofias desenvolvidas para libertar as pessoas das preocupações com a vida presente.

O estoicismo era materialista e panteísta. Ou seja, os estóicos acreditavam que tudo era composto de matéria. A forma mais elevada da matéria era de natureza divina, e pervadia o universo. Eles a chamavam de várias coisas: fogo, Zeus, ou mesmo Deus. Acreditavam que este “fogo” divino, ou Deus, gerou o universo e um dia tomaria o universo de volta para si através de uma grande conflagração. Este ciclo de criação e conflagração é repetido eternamente.

O estoicismo era deste modo determinista. As coisas são do jeito que são e não podem ser mudadas. Para encontrar a verdadeira felicidade, eles acreditavam que alguém deveria entender o curso da natureza pela razão e simplesmente aceitar as coisas como são.
Em contraste com os estóicos, Paulo ensinou que Deus é pessoal, e não parte deste universo. Ele também ensinou que haveria um julgamento futuro, não uma gigantesca conflagração, levando a um outro ciclo.

Os epicureus focavam sobre a felicidade do indivíduo também, mas seguiam uma direção completamente diferente dos estóicos. Eles acreditavam que o caminho para a felicidade era através da maximização do prazer e da minimização do sofrimento. A tranqüilidade era buscada através de uma vida sossegada e contemplativa, vivida entre uma comunidade de amigos.

Os epicureus eram materialistas também, mas não eram panteístas. Eles acreditavam que o universo fora formado a partir de átomos caindo pelo espaço, que ocasionalmente colidiam uns com os outros acidentalmente, formando eventualmente as estrelas e planetas, e nós. Quando morremos, simplesmente nos dissolvemos em átomos novamente. Os epicureus acreditavam nos deuses, mas pensavam que eles fossem como os homens, só que de uma ordem superior. Os deuses residiam lá fora em algum lugar do espaço, desfrutando de uma vida de tranqüilo prazer, assim como a dos epicureus. Eles não tinham nada que ver com os homens. Além da participação em sacrifícios e rituais religiosos por finalidades estéticas, os epicureus acreditavam que os seres humanos não precisavam se preocupar com os deuses.

Contra os epicureus, Paulo ensinou que Deus está envolvido nos negócios da Sua criação, e criou-nos especificamente para buscá-Lo. Naturalmente, a doutrina de Paulo acerca de um juízo futuro não se encaixava com o pensamento deles também.

Enquanto Paulo evangelizava o mundo grego, às vezes usava sua terminologia e conceitos; ele até citava os poetas deles. Mas ele pregava uma mensagem muito diferente. Talvez nós, também, possamos encontrar uma base comum em nossa cultura, conhecendo o que as pessoas crêem e expressando o evangelho em termos que elas compreendam. Sem modificar a mensagem em si, devemos expressá-la de um modo que possa ser compreendida. Se não, passaremos um sufoco para fazer as pessoas ouvirem.

Unidade Familiar

Já demos alguma atenção à religião e filosofia do tempo de Paulo, mas e sobre as estruturas sociais do mundo greco-romano? Mais especificamente, como era a família no primeiro século?

Por volta do primeiro século a.D., o casamento era principalmente por consentimento mútuo. O historiador Everett Ferguson descreve o casamento assim: “O consentimento em viverem juntos constituía o casamento em todas as sociedades, e a procriação de filhos era o seu objetivo explícito. Os casamentos eram registrados a fim de tornar os filhos legítimos”.(2) Embora os casamentos fossem principalmente monogâmicos, o adultério era comum. O divórcio exigia apenas notificação oral ou escrita.

Os homens tinham um papel dominante na família. Eles tinham autoridade absoluta sobre seus filhos e escravos. As esposas permaneciam sob a autoridade de seus pais. Os homens ocupavam seu tempo com interesses econômicos e escapes sociais como banquetes, e os ginásios que incluíam instalações para exercícios, piscinas e salões de leitura. Estes funcionavam como centros comunitários.

Na ausência do marido, a mulher poderia conduzir seus negócios por ele. Contudo, a administração do lar era responsabilidade primária da esposa. Ferguson cita o escritor grego Apolodoro, que disse: “Temos cortesãs para prazer, criadas para o cuidado diário do corpo, esposas para produzir filhos legítimos e serem fiéis guardiãs das coisas do lar”.(3)

Contudo, as mulheres não estavam necessariamente confinadas ao lar. Algumas se engajavam em ocupações tão diversas como música, medicina e comércio. Muitas tinham ofícios públicos, e outras mantinham posições de liderança nos cultos religiosos.

Os filhos não eram considerados parte da família enquanto não reconhecidos pelo pai. Eles podiam ser vendidos ou deixados desabrigados, se não fossem desejados.

Os pais tinham a iniciativa de encontrar educação apropriada para seus filhos. As meninas podiam ir às escolas elementares, mas isto era raro. Elas aprendiam principalmente habilidades domésticas em casa. Embora a maioria dos meninos aprendesse algum ofício em casa ou através de um treinamento, eles podiam passar por uma seqüência de instrução primária, secundária e avançada, dependendo do seu status social. A memorização era um elemento fundamental na educação primária. A retórica era o tema mais importante na educação avançada.

Os escravos faziam parte da unidade familiar no Império Romano. Eles podiam ser obtidos através de diversos meios, entre os quais guerra, abandono infantil, e compra de pessoas para o pagamento de dívidas. Os escravos podiam trabalhar nas minas, em templos, em lares como mestres, ou na indústria; mantinham até mesmo posições elevadas como administradores na burocracia civil. Os escravos muitas vezes ganhavam dinheiro suficiente para comprar sua própria liberdade, embora tivessem de continuar trabalhando para os seus ex-proprietários.

Nesta sociedade, os apóstolos introduziram novas idéias a respeito do valor do indivíduo e sobre as relações familiares. Os maridos deviam ser fiéis às suas esposas e amá-las como seus próprios corpos. Os filhos deviam ser vistos como muito mais do que posses econômicas ou despesas. Os senhores eram orientados a tratar os escravos com justiça e eqüidade. As pessoas hoje em dia que injuriam o Cristianismo como sendo “opressivo” provavelmente não têm idéia do quanto ele elevou as pessoas no mundo helenista.

Moral Social

A instrução moral no mundo helenístico era encontrada mais na filosofia e no costume do que na religião. A religião era em grande parte exterior; ou seja, era uma questão mais de ritual do que de transformação interior. A filosofia procurava ensinar às pessoas como viver. Os filósofos davam muita atenção a questões como virtude, amizade e responsabilidade civil.(4)

O historiador Everett Ferguson observa que a evidência da era greco-romana indica que muitas pessoas viviam vidas muito virtuosas. Inscrições em lápides, por exemplo, incluem orações pelos maridos e esposas pela bondade e fidelidade.(5)

Apesar disso tudo, a história revela uma cultura moralmente degradada no primeiro século. Um exemplo é a imoralidade sexual. “As várias palavras na língua grega para relações sexuais”, afirma Ferguson, “sugerem uma preocupação com este aspecto da vida”.(6) Conforme notei antes, o adultério era comum. Os homens muitas vezes tinham cortesãs para o prazer físico. A homossexualidade entre jovens ou entre um homem mais velho e outro mais jovem era aceita abertamente. A prostituição do templo fazia parte de alguns cultos religiosos.

Demonstrava-se uma baixa estima da dignidade humana no mundo helenístico. Anteriormente citei a exposição de crianças ao abandono como um meio de se livrar delas. Bebês indesejados – muitas vezes meninas – eram colocados na pilha de lixo ou deixados em alguma área isolada para morrerem. Eles podiam ser apanhados para serem usados, para serem vendidos como escravos, ou para servirem como prostitutas.

A brutalidade da época era vista mais claramente nos jogos nos anfiteatros romanos. Ferguson observa que “os anfiteatros do ocidente testificam da paixão pelo sangue sob o império. Os espetáculos dos combates de gladiadores – homem contra homem, homem contra animal, e animal contra animal – atraíam multidões imensas e substituíram o drama e o atletismo grego em popularidade”.(7) Execuções eram consideradas menos excitantes do que os combates mortais. Conseqüentemente, quando execuções estavam incluídas na programação do dia, eram tipicamente realizadas durante o intervalo do almoço. Um dos meios pelos quais os criminosos eram mortos era vestindo-os em peles de animais e lançando-os a animais selvagens.

Tal brutalidade era estendida aos cristãos nos tempos de perseguição. O Livro dos Mártires de Fox registra que Nero mandou lançar os cristãos às feras. Ele também mandava banhá-los em cera, pendurar em árvores e queimar como tochas gigantes em seus jardins.(8)

Neste mundo de imoralidade e brutalidade, entrou a mensagem de amor e justiça que se encontra em Jesus. Assim como o Judaísmo antes, o Cristianismo colocou a religião e a moral juntas. Revelou o padrão de bondade de Deus e o amor sacrificial de Cristo, e forneceu o poder para alcançar esse padrão através da obra regeneradora do Espírito baseada na obra de Cristo sobre a cruz.

Hoje, ética e religião estão novamente separadas. E os resultados estão sendo vistos. Mas, assim como no primeiro século, os cristãos hoje têm uma mensagem de graça para a nossa sociedade: Deus não apenas nos diz o que é bom, Ele também nos capacita a sermos bons.

O Conflito dos Cristãos com a Cultura

Na igreja primitiva, o caráter dos cristãos era muito importante para obterem audiência e ganharem convertidos quando corajosamente dessem testemunho da sua nova fé.

Como eram estes cristãos? O escritor da Epístola a Diogneto, escrita provavelmente no começo do segundo século, disse o seguinte a respeito deles: “Eles se casam como todos; têm filhos, mas não destroem sua prole. Eles têm uma mesa comum, mas não uma cama comum. Eles estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Eles passam seus dias na terra, mas são cidadãos do céu. Eles obedecem às leis prescritas, e ao mesmo tempo superam as leis através de suas vidas. Eles amam a todos os homens, mas são perseguidos por todos”.(9)

Se suas vidas eram de natureza tão exemplar, o que colocava os cristãos em tantos problemas? Dois dos fatores mais importantes eram a sua relutância em participar dos rituais religiosos e a sua recusa em se curvar diante das imagens dos imperadores.

Anteriormente citei a importância dos cultos cívicos religiosos no mundo helenístico. As pessoas acreditavam que os deuses exigiam seus sacrifícios e outras observâncias; caso contrário, ficaram furiosos e descarregariam sua ira nas pessoas como um todo. Os cristãos se recusando a participar era arriscar enfurecer os deuses.

O outro fator era a questão do culto ao imperador. Quando Roma conquistou o mundo ocidental, os governantes viram quão importante era a religião para o povo. Ao invés de combatê-la, tiraram proveito dela colocando imagens dos imperadores romanos em lugares de culto com as outras divindades. Isto não era um grande problema para os gregos. Além do fato de que os romanos eram seus governantes, os gregos não eram exclusivistas em seu culto. Adorar uma divindade não impedia a adoração de outras também.

Para os cristãos, contudo, Jesus era o Senhor; não podia haver outros deuses além dEle, e eles não poderiam se curvar diante de ninguém que alegasse autoridade divina, inclusive o imperador. Contudo, como nas mentes dos romanos o imperador representava o estado, recusar a curvar-se diante de sua imagem era ser um inimigo do estado.

Assim, por causa de sua recusa em participar destas atividades, os cristãos foram chamados de ateus e inimigos do estado. Seu comportamento era desconcertante para os seus vizinhos. Por que eles não podiam simplesmente dissimular? Conforme já observei, a religião era não-exclusivista. O povo não acreditava necessariamente nos deuses aos quais faziam sacrifícios, de qualquer maneira. E, como havia pouca ou nenhuma relação entre religião e ética, as atividades religiosas de um indivíduo normalmente não afetavam a sua vida moral. Então, por que os cristãos não podiam simplesmente jogar lado a lado? A razão por que não podiam era porque curvar-se diante dos imperadores ou dos deuses seria cometer idolatria, que era o pecado fundamental na igreja primitiva.

Os cristãos da igreja primitiva tinham de decidir onde podiam conformar-se à sua sociedade, e onde não podiam. Havia uma diferença de opinião quanto ao que era apropriado e o que não era. Mas estava claro que qualquer que quisesse ser identificado como um cristão tinha de traçar a linha aqui: Jesus é o Senhor, e não há outro.

Notas

1. Everett Ferguson, Backgrounds of Early Christianity, 2nd ed. (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1993), 188.
2. Ibid., 68.
3. Ibid., 70-71. 
4. Ibid., 303.
5. Ibid., 64.
6. Ibid.
7. Ibid., 94.
8. Foxe's Book of Martyrs, (Old Tappen, New Jersey: Spire Books, 1968), 13.
9. Michael Green, Evangelism in the Early Church (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1970), 136.

© 1997 Probe Ministries International
Fonte: Probe Ministries (www.probe.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria

terça-feira, 7 de agosto de 2012

História e Fé Cristã


Michael Gleghorn


A Importância da História

Podemos realmente saber alguma coisa sobre o passado? Por exemplo, podemos realmente saber se Nabucodonosor foi o rei da Babilônia no século sexto a.C., ou se Jesus de Nazaré foi uma pessoa histórica real, ou se Abraham Lincoln fez o Discurso de Gettysburg? Embora estas possam parecer questões que interessariam apenas a historiadores profissionais, na verdade elas são importantes para os cristãos também.

Mas, por que os cristãos deveriam se preocupar com tais questões? Bem, porque a veracidade da nossa fé depende de certos eventos que realmente aconteceram no passado. Como o teólogo britânico Alan Richardson declarou:

A fé cristã é ... uma fé histórica ... está em estreita ligação com certos acontecimentos no passado, e se estes acontecimentos pudessem ser provados como nunca tendo acontecido ... então a ... fé cristã ... revelar-se-ia edificada sobre areia.(1)

Considere um exemplo. Os cristãos crêem que Jesus morreu na cruz pelos pecados do mundo. Agora, para que seja possível até que esta crença seja verdadeira, a crucificação de Jesus deve ter ocorrido na história. Se o relato da morte de Jesus na cruz é meramente lendário, ou de qualquer modo não-histórico, então a proclamação cristã de que ele morreu na cruz pelos nossos pecados não pode ser verdadeira. Como T. A. Roberts observou:

A verdade do Cristianismo está ancorada na história: por isso o ... reconhecimento de que se alguns ... dos eventos sobre os quais se pensa tradicionalmente que o Cristianismo está baseado pudessem ser provados como não históricos, então as reivindicações religiosas do Cristianismo estariam seriamente em perigo.(2)

O que realmente aconteceu no passado, portanto, é extremamente importante para o Cristianismo bíblico. Mas isto levanta uma questão importante: Como podemos realmente saber o que aconteceu no passado? Como podemos saber se as coisas sobre as quais lemos em nossos livros de história realmente aconteceram algum dia? Como podemos saber se Jesus realmente foi crucificado, como os escritores do Evangelho dizem que foi? Nós não estávamos lá para observar pessoalmente estes eventos. E (ao menos por enquanto) não existe uma máquina do tempo pela qual possamos visitar o passado e ver por nós mesmos o que realmente aconteceu. Os eventos do passado já se foram. Eles não estão mais diretamente disponíveis para estudo. Então, como podemos realmente saber o que aconteceu?

Para o cristão, tais questões nos confrontam com o problema de se o conhecimento genuíno do passado é possível, ou se estamos condenados para sempre a sermos céticos sobre os eventos históricos registrados na Bíblia. No restante deste artigo, espero demonstrar que deveríamos realmente ser céticos, particularmente com os argumentos dos céticos que dizem que não podemos conhecer nada a respeito do passado.

O Problema do Passado Inobservável

Não deveria nos surpreender que a verdade do Cristianismo dependa de certos eventos que realmente aconteceram no passado. O apóstolo Paulo disse aos coríntios: “Se Cristo não ressuscitou, nossa pregação é vã, e é vã a vossa fé” (1 Coríntios 15:14). Para Paulo, se a ressurreição corporal de Jesus não foi um evento histórico real, então a fé em Cristo era inútil. O que aconteceu no passado, portanto, é importante para o Cristianismo.

Mas alguns estudiosos insistem que nunca podemos realmente saber o que aconteceu no passado. Esta visão, chamada de relativismo histórico radical, nega que o conhecimento real, ou objetivo, do passado seja possível. Isto representa um desafio para o Cristianismo. Como o filósofo cristão Ronald Nash observa, “... o ceticismo sobre o passado que deve resultar de um relativismo histórico total enfraqueceria seriamente um dos maiores fundamentos apologéticos do Cristianismo”.(3)

Mas por que alguém seria cético sobre a nossa capacidade de conhecer ao menos alguma verdade objetiva sobre o passado? Uma razão tem que ver com a nossa incapacidade de observar diretamente o passado. O falecido Charles Beard notou que, ao contrário do químico, o historiador não pode observar diretamente os objetos de seu estudo. Seu único acesso ao passado vem através dos registros e artefatos que têm sobrevivido até o presente.(4)

Certamente existe alguma verdade nisto. Mas por que a incapacidade do historiador de observar diretamente o passado quer dizer que ele não possa ter conhecimento genuíno do passado? Beard contrasta o historiador com o químico, implicando que o último tem conhecimento objetivo da química. Mas é importante lembrar que os químicos individuais não adquirem todo o seu conhecimento através da observação científica direta. Na verdade, boa parte dela vem pela leitura de artigos publicados por outros químicos, artigos que funcionam de modo bem parecido com os documentos históricos do historiador!(5)

Mas o químico pode realmente obter conhecimento objetivo lendo tais artigos? Parece que sim. Suponha que um químico comece trabalhando em um novo problema baseado nos resultados cuidadosamente estabelecidos de experimentos anteriores. Mas, suponha que ele não tenha conduzido pessoalmente todos estes experimentos; ele meramente leu a respeito deles em publicações científicas. Qualquer conhecimento não verificado diretamente pelo químico seria conhecimento indireto.(6) Mas isso não está completamente desprovido de objetividade por essa razão.

Embora o conhecimento histórico possa ficar aquém da certeza absoluta (assim como invariavelmente a maior parte do nosso conhecimento), isto não o torna completamente subjetivo ou arbitrário. Além disso, visto como a maior parte do que sabemos não parece estar baseado em observação direta, nossa incapacidade de observar diretamente o passado não pode (ao menos em si mesma) tornar impossível o conhecimento genuíno da história. Em última análise, então, este argumento em favor do relativismo histórico simplesmente não é convincente.

O Problema da Perspectiva Pessoal

Eu conversei recentemente com um jovem que me disse que ele obtém suas notícias de três fontes diferentes: CNN, FOX e a BBC. Quando lhe perguntei o porquê, ele me disse que cada estação tem a sua perspectiva particular. Por isso ele escuta todas as três a fim de (esperançosamente) chegar a uma compreensão mais objetiva do que realmente está acontecendo no mundo.

É interessante que um problema semelhante tem sido observado na escrita da história. Os relativistas históricos argumentam que nenhum historiador pode ser completamente imparcial e neutro em sua descrição do passado. Ao invés disso, tudo o que ele escreve, desde a seleção dos fatos históricos até as conexões que ele vê entre esses fatos, é influenciado pela sua personalidade, valores e até preconceitos. Cada obra de história (inclusive os livros históricos da Bíblia) é considerada como tendo sido escrita a partir de um único ponto de vista. É relativa à perspectiva de um autor particular e, por isso, não pode ser objetiva.

Como os cristãos deveriam responder a isto? Os escritores bíblicos registraram com segurança o que aconteceu no passado? Ou os seus escritos são tão influenciados pelas suas personalidades e valores que não podemos nunca saber o que realmente aconteceu? Bem, provavelmente é verdade que cada obra de história, assim como cada história em um jornal, é colorida (ao menos até certo ponto) pela visão de mundo do autor. Neste sentido, objetividade absoluta é impossível. Mas será que isto significa que o relativismo histórico é verdadeiro? Não, de acordo com Norman Geisler. Ele escreve:

Objetividade perfeita pode ser praticamente inatingível dentro dos recursos limitados do historiador sobre a maioria, se não todos os temas. Mas ... a incapacidade de alcançar 100 por cento de objetividade é um longo caminho até a relatividade total.(7)

Embora os historiadores e relatores possam escrever da perspectiva de uma visão de mundo particular, não decorre que eles sejam completamente incapazes de ao menos alguma objetividade. Na verdade, existem certas salvaguardas que realmente ajudam a garantir isto. Suponha que um historiador escreva que o rei Nabucodonosor da Babilônia não capturou Jerusalém no século sexto a.C. Sua tese pode ser desafiada e corrigida com base na evidência histórica e arqueológica disponível que indica que Nabucodonosor fez isto de fato. Semelhantemente, se um jornal publicar uma história que mais tarde se revele incorreta, ele poderia ser forçado a publicar uma retratação.

Embora a objetividade completa em história possa ser impossível, um grau suficiente de objetividade pode ser alcançado porque a obra do historiador está sujeita a correção à luz da evidência. O problema da perspectiva pessoal, então, não leva inevitavelmente ao relativismo histórico total. Portanto, objeções à confiabilidade histórica da Bíblia que estejam baseadas neste argumento não são definitivamente persuasivas.

Problemas com o Relativismo Histórico

Temos visto que o relativismo histórico nega que possamos conhecer a verdade objetiva sobre o passado. Embora isto represente um desafio para o Cristianismo bíblico, os argumentos oferecidos em apoio a esta posição não são muito convincentes. Não apenas os argumentos em apoio não são convincentes, mas os argumentos contra esta posição são devastadores. Vejamos apenas dois.

Primeiro, existem muitos fatos da história sobre os quais virtualmente todos os historiadores estão de acordo – independentemente da sua visão de mundo. Por exemplo, que historiador responsável negaria seriamente que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos, ou que Abraham Lincoln pronunciou o Discurso de Gettysburg? Como certo relativista histórico admitiu, “existem fatos básicos que são os mesmos para todos os historiadores”.(8) Mas considere o que isto significa. Se um cristão, um budista, um ateísta e um muçulmano pudessem todos concordam com certos fatos básicos da história, então resultaria que ao menos algum conhecimento objetivo da história é possível. Mas, neste caso, o relativismo histórico total é falso, pois nega que tal conhecimento seja possível.

Outra razão para rejeitar o relativismo histórico é que ele torna impossível distinguir a boa história da história pobre, ou a história genuína da propaganda. Como Dr. Ronald Nash observa, “se o relativismo forte fosse verdadeiro, qualquer distinção entre a verdade e o erro na história desapareceria”.(9) Apenas pense no que isto significaria. Não haveria nenhuma diferença real entre história e ficção histórica! Além disso, não haveria nenhuma base legítima para criticar teorias históricas obviamente falsas. Isto revela que algo está errado com o relativismo histórico, pois, como Dr. Craig nos lembra, “todos os historiadores distinguem a boa história da pobre”. Por exemplo, ele recorda como Immanuel Velikovsky tentou “reescrever a história antiga com base em catástrofes de âmbito mundial causadas por forças extraterrestres ... rejeitando reinos antigos e línguas inteiras como fictícias”.(10)

Como os historiadores reagiram a tais idéias? De acordo com Edwin Yamauchi, que escreveu uma análise crítica detalhada da teoria, a maioria dos historiadores foram “bastante hostis” à obra de Velikovsky.(11) Eles se irritaram com o seu insensível desprezo pela evidência histórica real. De modo semelhante, basta lembrarmos da tremenda resposta crítica a algumas das mais ultrajantes alegações de Dan Brown em O Código Da Vinci. É importante notar que, quando os estudiosos criticam as teorias de Velikovsky e Brown, eles reconhecem tacitamente “a objetividade da história”.(12) Seu criticismo mostra que eles vêem estas teorias como falhas porque elas não correspondem ao que realmente aconteceu no passado.

Determinando a Verdade na História

Como podemos determinar o que realmente aconteceu no passado? Existe algum modo de separar o “trigo” do “joio”, por assim dizer, quando se trata de avaliar interpretações concorrentes de uma pessoa ou evento histórico particular? Por exemplo, se um escritor afirma que Jesus era casado, e outro afirma que não, como podemos determinar qual das afirmações é verdadeira?

Bem, como você provavelmente já pensou, o problema na verdade desce até a evidência. Pela informação a respeito de Jesus, virtualmente todos os estudiosos concordam que a nossa evidência mais valiosa vem dos Evangelhos do Novo Testamento. Cada um destes documentos pode ser seguramente datado do primeiro século, e “os eventos que registram estão baseados ou em testemunho ocular direto ou indireto”.(13) Assim, eles representam nossas melhores e mais antigas fontes de informação a respeito de Jesus.

Mas, ainda que limitemos nossa discussão a estas fontes, diferentes estudiosos ainda chegam a diferentes conclusões a respeito da situação conjugal de Jesus. Mais uma vez, como podemos determinar a verdade? Poderíamos empregar um modelo conhecido como inferência para a melhor explicação. Em poucas palavras, este modelo afirma que “o historiador deveria aceitar a hipótese que melhor explica toda a evidência”.(14) Ora, reconhecidamente, esta não é uma ciência exata. Mas, como Dr. Craig nos lembra, “o objetivo do conhecimento histórico é obter probabilidade, não certeza matemática”.(15) Exigir mais do que isso da história é simplesmente fazer exigências desarrazoadas. Até mesmo em um tribunal, devemos estar contentes com a prova além de uma dúvida razoável – não além de toda dúvida possível.(16)

Tendo estas coisas em mente, será que a evidência apóia melhor a hipótese de que Jesus era, ou não, casado? Se estiver interessado em tal discussão, eu recomendaria fortemente o recente livro de Darrell Bock, Quebrando o Código Da Vinci. Após um cuidadoso exame da evidência, ele conclui que Jesus definitivamente não era casado – uma conclusão compartilhada pela vasta maioria dos estudiosos do Novo Testamento.(17)

É claro que não estou tentando argumentar que este problema possa ser decisivamente resolvido simplesmente pela citação de uma autoridade (embora eu esteja sem dúvida de acordo com a conclusão de Dr. Bock). Antes, o meu ponto é que temos um modo de determinar a verdade na história. Avaliando cuidadosamente a melhor evidência disponível, e inferindo logicamente a melhor explicação dessa evidência, podemos determinar (às vezes com alto grau de probabilidade) o que realmente aconteceu no passado.

O Cristianismo é uma religião arraigada na história. Não uma história sobre a qual não possamos ter uma compreensão real, mas uma história que podemos conhecer e estar confiantes para crer.

Notas

1. Alan Richardson, Christian Apologetics (London: SCM, 1947), 91, cited in Ronald H. Nash, Christian Faith and Historical Understanding (Dallas: Word Publishing/Probe Books, 1984), 12.
2. T. A. Roberts, History and Christian Apologetic (London: SPCK, 1960), vii, cited in Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 12.
3. Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 77-78.
4. Esta informação vem da discussão de Ronald Nash sobre o ensaio de Charles Beard, "That Noble Dream," em Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 84.
5. William Lane Craig, Reasonable Faith: Christian Truth and Apologetics (Wheaton: Crossway Books, 1994), 176.
6. Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 85.
7. Norman Geisler, Christian Apologetics (Grand Rapids, Baker, 1976), 297, citado em Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 88-89.
8. E.H. Carr, What is History? (New York: Random House, 1953), 8, citado em Craig, Reasonable Faith, 185.
9. Nash, Christian Faith and Historical Understanding, 88.
10. Craig, Reasonable Faith, 186-87.
11. Edwin Yamauchi, "Immanuel Velikovsky's Catastrophic History," Journal of the American Scientific Affiliation 25 (1973): 134, citado em Craig, Reasonable Faith, 187.
12. Craig, Reasonable Faith, 187.
13. Lee Strobel, The Case for Christ, (Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1998), 25.
14. Craig, Reasonable Faith, 184.
15. Ibid.
16. Ibid.
17. Darrell L. Bock, Breaking the Da Vinci Code (Nashville: Nelson Books, 2004), 31-45. Confira também o meu artigo anterior, "Redeeming The Da Vinci Code," em www.probe.org/redeeming_davinci.

© 2005 Probe Ministries
Fonte: Probe Ministries (http://www.probe.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria