Philip Schaff
Para
vermos claramente a relação da religião cristã com a história precedente da
humanidade, e para apreciarmos a sua vasta influência sobre todas as gerações
futuras, precisamos olhar primeiro para a preparação que ocorreu na condição
política, moral e religiosa do mundo para o advento de nosso Salvador.
Como
a religião é o interesse mais profundo e sagrado do homem, a entrada da
religião cristã na história é o mais momentoso de todos os eventos. É o fim do
velho mundo e o começo do novo. Foi uma grande idéia de Dionísio, “o Breve”,
datar nossa era a partir do nascimento de nosso Salvador. Jesus Cristo, o
Deus-Homem, o profeta, sacerdote e rei da humanidade é, de fato, o centro e o
ponto de mudança não apenas da cronologia, mas de toda a história, e a chave de todos os
seus mistérios. Ao seu redor, como o sol do universo moral, giram, em suas
variadas distâncias, todas as nações e todos os eventos importantes na vida
religiosa do mundo; e todos devem, direta ou indiretamente, consciente ou
inconscientemente, contribuir para a glória do seu nome e o avanço da sua
causa. A história da humanidade antes do seu nascimento deve ser vista como uma
preparação para a sua vinda, e a história após o seu nascimento, como uma
difusão gradual do seu espírito e o progresso do seu reino. “Todas as coisas
foram criadas por ele e para ele”. Ele é “o desejado de todas as nações”. Ele
apareceu na “plenitude do tempo”, quando o processo de preparação estava
acabado e a necessidade de redenção do mundo completamente exposta.
Esta
preparação para o Cristianismo começou propriamente com a criação do homem, que
foi feito à imagem de Deus e destinado para a comunhão com ele através do Filho
eterno; e com a promessa de salvação que Deus fez aos nossos primeiros pais,
como uma estrela de esperança para guiá-los através da escuridão do pecado e do
erro. Memórias vagas de um paraíso primitivo e uma subseqüente queda, e
esperanças de uma redenção futura, sobrevivem até mesmo nas religiões pagãs.
Com
Abraão, cerca de dezenove séculos antes de Cristo, o desenvolvimento religioso
da humanidade se separa nos dois ramos independentes e, no seu alcance, muito
desiguais, do Judaísmo e do paganismo. Estes se encontram e se unem, por fim,
em Cristo como o Salvador comum, o cumpridor dos tipos e profecias, desejos e
esperanças do mundo antigo; enquanto, ao mesmo tempo, os elementos infiéis de
ambos se coligam em hostilidade mortal contra ele, e assim fazem manifestar a
plena revelação do seu poder de verdade e amor que a todos conquista.
Como
o Cristianismo é a reconciliação e união de Deus com o homem em e através de
Jesus Cristo, o Deus-Homem, ele precisou ser precedido por um duplo processo de
preparação, uma aproximação de Deus ao homem, e uma aproximação do homem a
Deus. No Judaísmo, a preparação é direta e positiva, procedendo de cima para
baixo, e terminando com o nascimento do Messias. No paganismo, é indireta e principalmente,
embora não inteiramente, negativa, procedendo de baixo para cima, e terminando
com o clamor desesperado da humanidade por redenção. Ali, temos uma revelação
especial ou auto-comunicação do único Deus verdadeiro por palavra e obra, cada
vez mais clara e evidente, até que finalmente o Logos divino aparece em natureza
humana para elevá-la à comunhão consigo mesmo; aqui, homens guiados, de fato,
pela providência geral de Deus, e iluminados pelo reflexo do Logos
resplandecendo na escuridão, contudo, sem ajuda da revelação direta, e deixados
para que “andassem em seus próprios caminhos”, “para que buscassem a Deus, se
porventura tateando o pudessem achar”. No Judaísmo, a verdadeira religião é
preparada para o homem; no paganismo, o homem é preparado para a verdadeira
religião. Ali, a essência divina é gerada; aqui, as formas humanas são moldadas
para recebê-la. A primeira é como o irmão mais velho da parábola, que
permaneceu na casa de seu pai; a última, como o pródigo, que dilapidou sua
parte, mas finalmente estremeceu diante do largo abismo da perdição, e
penitentemente voltou para o seio do amor compassivo de seu pai. O paganismo é
a noite estrelada, cheia de escuridão e temor, mas também de misterioso
presságio, e de ansiosa espera pela luz do dia; o Judaísmo, a manhã, cheia de
esperança e da promessa do sol nascente; ambos se perdem na luz do dia do
Cristianismo, e atestam a sua reivindicação de ser a única religião verdadeira
e perfeita para a humanidade.
A
preparação pagã foi ainda parcialmente intelectual e literária, parcialmente
política e social. A primeira é representada pelos gregos, a última, pelos
romanos.
Jerusalém,
a cidade santa, Atenas, a cidade da cultura, e Roma, a cidade do poder, podem
representar os três fatores dessa história preparatória que terminou no
nascimento do Cristianismo.
Fonte: History of the Christian Church (www.ccel.org)
Tradução: Rodrigo Reis de Faria
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