Kyle
Butt, M.A.
Introdução
A
profecia preditiva continua sendo uma das provas mais viáveis da inspiração
divina da Bíblia. A profecia de Ezequiel concernente à cidade de Tiro fornece
um exemplo excelente de evidência dessa natureza.
A mensagem
profética de Ezequiel é uma das mais fáceis de situar em um período exato de
tempo. No verso 2 do capítulo um, o profeta notou que suas visões e profecias
começaram “no quinto ano do cativeiro do rei Jeoiaquim”. A data deste cativeiro
é quase unanimemente aceita como 597 a.C., durante a segunda deportação dos
cidadãos da Judéia para Babilônia, a qual é documentada em detalhes em 2 Reis
24:10-20. Além disso, não somente a deportação é registrada no relato bíblico,
mas os antigos registros caldeus documentam-na também (Free and Vos, 1992, p.
194). Como as visões de Ezequiel começaram cinco anos após a deportação, então se
pode estabelecer uma data segura em 592 a.C. para o princípio da sua profecia.
O profeta fornece outras datas específicas, tais como o ano dezessete (20:1), o
nono ano (24:1), o undécimo ano (26:1), e a última data fornecida como o ano
vinte e sete (29:17) [Nota: para um sumário, vede Archer, 1974, pp. 368-369].
Devido
ao sistema de datas seguramente definido que Ezequiel escolheu para usar em sua
profecia, a data da profecia a respeito da cidade de Tiro, encontrada no
capítulo 26, pode ser precisamente estabelecida como o undécimo ano após 597,
que seria 586 a.C.
A Cidade de Tiro
De
acordo com a história, a cidade fenícia de Tiro, localizada na costa oriental
do Mar Mediterrâneo, manteve-se como uma das cidades mais antigas e prósperas
da história. Heródoto, conhecido como o pai da história moderna, viveu e
escreveu aproximadamente entre 490 a.C. e 425 a.C. (Heródoto, 1972, p. i). Durante
uma visita ao templo de Herácles em Tiro, Heródoto indagou acerca da idade do
templo, ao que os habitantes responderam que o templo era tão antigo quanto “a
própria Tiro”, e que Tiro já havia durado dois mil e trezentos anos” (Heródoto,
2:44). A partir de Heródoto, então, pode-se supor que a cidade remonta a 2.700
a.C.
Devido
à sua vantajosa posição geográfica e aos bons portos, Tiro tornou-se uma das
cidades comerciantes mais ricas da história. Fleming notou que ela “era a mais
importante de todas as cidades fenícias” (1966, p. ix). Durante os reinados do
rei Davi e do rei Salomão (circa 1000
a.C.), Hirão, rei de Tiro, representou um papel fundamental na aquisição de
materiais de construção para estruturas importantes, como as casas dos reis
israelitas e o primeiro templo. Em diversas passagens bíblicas, o texto afirma
que Hirão mandou árvores de cedro, carpinteiros, pedreiros, e construtores a
Israel (2 Samuel 5:11) devido à famosa habilidade dos tírios em cortar madeira
de lei (1 Reis 5:1-18). Além disso, os tírios eram igualmente famosos pela sua
notável habilidade de navegar os mares durante a época de Salomão. 2 Crônicas
documenta que Hirão mandou navios e “servos que conheciam o mar” para
trabalharem com os homens de Salomão na aquisição de ouro em terras
estrangeiras (2 Crônicas 8:18).
A
cidade de Tiro possuía uma disposição geográfica um tanto interessante e vantajosa.
Cerca de meia milha distante da costa oriental do Mar Mediterrâneo, estava uma
pequena ilha rochosa sobre a qual mais provavelmente a cidade original de Tiro
fora fundada. Algum tempo após a fundação desta cidade insular, fundou-se a
cidade continental de Tiro, a qual foi chamada de Antiga Tiro pelos gregos
(Fleming, p. 4). Josefo cita um historiador fenício chamado Dío, contando que o
rei fenício Hirão, que era muito amigo dos reis Davi e Salomão, construiu um
passadiço da ilha original até uma ilha menor, unindo as duas (Contra Ápion, 1.17).
Além da sua proveitosa posição geográfica, a cidade tinha grande confiança em
suas vantagens defensivas mui excelentes. Fleming notou: “Já desde 1400 a.C.,
Tiro era não apenas uma grande cidade, mas era considerada inexpugnável” (p.
8). O antigo historiador Quintus Curtius Rufus (mui provavelmente escrevendo por
volta de 50 a.D.) listou várias destas características defensivas que haviam
permanecido intactas até o cerco por Alexandre, em 332 a.C. A força da água e
do vento que prevaleciam do lado da cidade mais próximo à terra dizia-se ter
produzido uma “força corrosiva de ondas” que impediriam a construção de
qualquer tipo de ponte ou passadiço a partir do continente (4.2.8). Além disso,
as águas mais próximas das muralhas da cidade eram “especialmente profundas”, e
forçariam pretensos atacantes a posicionarem qualquer tipo de mecanismos de cerco
na fundação instável de um navio, e a muralha “descia perpendicularmente para
dentro do mar”, o que impediria o uso de escadas ou uma abordagem a pé (4.2.9).
Durante
o tempo de Ezequiel, Tiro estava bem estabelecida e era famosa pela sua
construção, manufatura e comércio. Ezequiel disse a respeito de Tiro: “Os teus
edificadores aperfeiçoaram a tua formosura” (27:4), e então passou a listar
vários tipos diferentes de madeira e materiais importados usados pelos tírios
(27:3-11). O profeta declarou: “Quando os teus artigos saíam pelos mares,
satisfizeste a muitos povos; enriqueceste os reis da terra com os teus muitos ítens
luxuosos e o teu negócio” (27:33).
Mas o
comércio lucrativo de Tiro havia feito pouco de positivo em favor de sua
condição espiritual. Na verdade, como é geralmente o caso, as riquezas adquiridas
pela cidade produziram grande negligência e corrupção espiritual. Concernente à
cidade, Ezequiel notou: “Pela abundância do teu comércio, encheste de violência
o teu interior, e pecaste ... Teu coração elevou-se por causa da tua beleza;
corrompeste a tua sabedoria por causa do teu esplendor ... Contaminaste os teus
santuários pela multidão das tuas iniquidades” (28:16-18). Entre os pecados listados
por Ezequiel, uma atitude específica mantida por Tiro foi apontada pelo profeta
como a razão decisiva para o fim da cidade. Ezequiel notou: “Porque Tiro disse
contra Jerusalém: ‘Ah, ah! Está quebrada aquela que era a porta dos povos;
agora se voltou para mim; eu me encherei; ela está devastada’. Portanto, assim
diz o Senhor Deus: “Eis que sou contra ti, ó Tiro” (26:2-3). Visivelmente, em
uma atitude de inveja e ganância comercial, a cidade de Tiro exultou nos
infortúnios de Jerusalém, e esperava torná-los em seu próprio lucro. Entre a
lista de atividades desprezíveis de Tiro, o comércio escravo da cidade
estimava-se como um dos mais lucrativos. O profeta Joel notou que Tiro havia
tomado o povo de Judá e Jerusalém e os vendido aos gregos, de modo que os
tírios puderam “removê-los para longe de suas fronteiras” (Joel 3:6). Este
procedimento covarde para com os habitantes de Judá não ficaria impune.
Em
Ezequiel 26, o profeta mencionou vários eventos que ocorreriam em Tiro como
castigo pela arrogância e ações inexoráveis da cidade. O que segue é uma
extensa, mas necessária, citação desse capítulo.
Portanto assim diz o Senhor DEUS: “Eis que eu estou contra ti, ó Tiro, e
farei subir contra ti muitas nações, como o mar faz subir as suas ondas, Elas
destruirão os muros de Tiro, e derrubarão as suas torres; e eu lhe varrerei o
seu pó, e dela farei uma penha descalvada. No meio do mar virá a ser um
enxugadouro das redes; porque eu o falei, diz o Senhor DEUS; e servirá de
despojo para as nações. E suas filhas, que estão no campo, serão mortas à
espada; e saberão que eu sou o SENHOR”.
Porque assim diz o Senhor DEUS: “Eis que eu, desde o norte, trarei
contra Tiro a Nabucodonosor, rei de Babilônia, o rei dos reis, com cavalos, e
com carros, e com cavaleiros, e companhias, e muito povo. As tuas filhas que
estão no campo, ele as matará à espada, e levantará um baluarte contra ti, e
fundará uma trincheira contra ti, e levantará paveses contra ti. E disporá os
seus aríetes contra os teus muros, e derrubará as tuas torres com os seus
machados. Por causa da multidão de seus cavalos te cobrirá o seu pó; os teus
muros tremerão com o estrondo dos cavaleiros, e das rodas, e dos carros, quando
ele entrar pelas tuas portas, como os homens entram numa cidade em que se fez
brecha. Com os cascos dos seus cavalos pisará todas as tuas ruas; ao teu povo
matará à espada, e as tuas fortes colunas cairão por terra. E roubarão as tuas
riquezas, e saquearão as tuas mercadorias, e derrubarão os teus muros, e
arrasarão as tuas casas agradáveis; e lançarão no meio das águas as tuas
pedras, e as tuas madeiras, e o teu pó. E farei cessar o ruído das tuas
cantigas, e o som dos tuas harpas não se ouvirá mais. E farei de ti uma penha
descalvada; virás a ser um enxugadouro das redes, nunca mais serás edificada;
porque eu o SENHOR o falei”, diz o Senhor DEUS ...
Porque assim diz o Senhor DEUS: “Quando eu te fizer uma cidade assolada,
como as cidades que não se habitam, quando eu fizer subir sobre ti o abismo, e
as muitas águas te cobrirem, então te farei descer com os que descem à cova, ao
povo antigo, e te farei habitar nas mais baixas partes da terra, em lugares
desertos antigos, com os que descem à cova, para que não sejas habitada; e
estabelecerei a glória na terra dos viventes. Farei de ti um grande espanto, e
não mais existirás; e quando te buscarem então nunca mais serás achada para
sempre”, diz o Senhor DEUS.
Vários
aspectos desta profecia merecem atenção e cuidadoso escrutínio. O profeta
predisse: (1) muitas nações viriam contra Tiro; (2) os habitantes das vilas e
campos de Tiro seriam mortos; (3) Nabucodonosor construiria uma colina de assédio
contra a cidade; (4) a cidade seria demolida e as pedras, a madeira e a terra
seriam lançadas “no meio das águas”; (5) a cidade se tornaria um “lugar para
escoadouro de redes”; e (6) a cidade nunca seria reedificada.
Em
ordem cronológica, o cerco de Nabucodonosor ocorreu alguns meses depois da
profecia de Ezequiel. Josefo, citando “os registros dos fenícios”, afirma que
Nabucodonosor “sitiou Tiro durante treze anos nos dias de Itobal, seu rei” (Contra Ápion, 1.21). A extensão do cerco
foi devido, em parte, à disposição incomum da cidade continental e da cidade
insular. Embora a cidade continental fosse suscetível a táticas de assédio
ordinárias, a cidade insular teria sido facilmente defendida contra os métodos
clássicos de assédio (Fleming, p. 45). O registro histórico sugere que
Nabucodonosor destruiu a cidade continental, mas o cerco da ilha “provavelmente
terminou com a submissão nominal da cidade”, na qual Tiro se rendeu “sem
receber o exército hostil dentro de suas muralhas” (p. 45). A cidade de Tiro
foi cercada por Nabucodonosor, o qual provocou maior dano à continental, como
Ezequiel predisse, mas a cidade insular permaneceu basicamente não afetada.
É neste
ponto da discussão que alguns céticos vêem a profecia de Ezequiel como uma
predição fracassada. Farrell Till declarou: “Nabucodonosor capturou de fato o
subúrbio continental de Tiro, mas nunca conseguiu tomar a parte insular, que
era a sede da grandeza tíria. Isto sendo assim, dificilmente se poderia dizer
que Nabucodonosor deu largas à devastação total de Tiro que Ezequiel
vituperativamente predisse nas passagens citadas” (n.d.). Till e outros sugerem
que as profecias sobre a completa destruição de Tiro referem-se à obra de
Nabucodonosor.
Porém,
sob um exame cuidadoso do texto, tal interpretação está mal orientada. Ezequiel
começou a sua profecia declarando que “muitas nações” viriam contra Tiro
(26:3). Então, passou a citar Nabucodonosor, e disse que “ele” construiria uma
colina de assédio, “ele” mataria com a espada, e “ele” faria diversas outras
coisas (26:7-11). Contudo, em 26:12, o pronome muda do singular “ele” para o
plural “elas”. É no verso 12 e nos seguintes que Ezequiel prediz que “elas”
derrubariam as pedras e o material de construção de Tiro em “no meio das
águas”. A mudança do pronome é de vasta importância, visto que isto altera o
sujeito da ação de Nabucodonosor (ele) de volta para as muitas nações (elas).
Till e outros não percebem esta mudança e erroneamente aplicam a completa
destruição de Tiro aos esforços de Nabucodonosor.
Além
disso, Ezequiel estava bem ciente do fracasso de Nabucodonosor em destruir a
cidade. Dezesseis anos depois da sua predição inicial, no 27º. ano do cativeiro
de Jeoiaquim (circa 570 a.C.), ele
escreveu: “Filho do homem, Nabucodonosor, rei de Babilônia, fez com que o seu
exército prestasse um grande serviço contra Tiro; toda a cabeça se tornou
calva, e todo o ombro se pelou; e não houve paga de Tiro para ele, nem para o
seu exército, pelo serviço que prestou contra ela” (29:18). Portanto, com
respeito à profecia de Tiro, enquanto diz respeito à atividade de
Nabudoconosor, ao menos dois elementos foram cumpridos (i.e., a colina de
assédio e a matança dos habitantes no campo).
A
respeito da predição de que “muitas nações” viriam contra Tiro, os registros
históricos em torno da ilustre cidade relatam tamanho tumulto e guerra que a
profecia de Ezequiel parece ser um suave abrandamento dos fatos. Após o ataque
de Nabudocodonosor à cidade, “um período de grande depressão” infestou a
cidade, a qual foi assimilada ao Império Persa por volta de 538 a.C. (Fleming,
p. 47). Em 392 a.C., “Tiro envolveu-se na guerra que se levantou entre os
persas e Evagorus de Chipre”, na qual o rei do Egito “tomou Tiro de assalto”
(p. 52). Sessenta anos depois, em 332, Alexandre o Grande sitiou Tiro e a esmagou
(vede abaixo para detalhamento adicional). Logo após esta derrota, Ptolomeu do
Egito conquistou e subjugou Tiro até cerca de 315 a.C., quando Antígono da
Síria cercou Tiro durante 15 meses e a capturou (Fleming, p. 65). Na verdade,
Tiro foi combatida por tantas forças estrangeiras que Fleming escreveu:
“Parecia sempre que o destino das cidades fenícias estava entre a parte
superior e inferior de uma mó” (p. 66). Babilônia, Síria, Egito, Roma, Grécia,
Armênia e Pérsia são apenas uma amostra das “muitas nações” que tiveram parte
na destruição final de Tiro. Assim, a profecia de Ezequiel sobre “muitas
nações” permanece sendo uma realidade histórica que não pode ser negada com
êxito.
Alexandre e Tiro
O
relato histórico do procedimento de Alexandre o Grande com Tiro acrescenta outro
ponto importante à profecia de Ezequiel. Por volta de 333 a.C., a profecia de
Ezequiel de que Tiro seria destruída e seu material de construção lançado no
meio das águas ainda estava por se materializar. Mas essa situação logo seria
alterada. O historiador antigo Diodoro Sículo, que viveu aproximadamente de 80
a 20 a.C., escreveu amplamente acerca do procedimento do jovem conquistador
grego com Tiro. É de sua obra original que se deriva grande parte da informação
a seguir sobre a destruição de Tiro (vede Siculus, 1963, 17.40-46).
Em seu
procedimento com Tiro, Alexandre afirmou que desejava fazer um sacrifício
pessoal no templo de Herácles na cidade insular de Tiro. Aparentemente, porque
os tírios consideravam seu refúgio insular virtualmente inexpugnável, com
máquinas de guerra cobrindo as muralhas, e águas rápidas que funcionavam como
uma barreira eficaz a um ataque continental, eles recusaram o seu pedido. Ao
receber a sua recusa, Alexandre imediatamente começou a trabalhar em um plano
para sitiar e conquistar a cidade. Ele iniciou a tarefa de construir uma ponte
de terra ou passadiço (Sículo a chama de “dique”) desde a cidade continental de
Tiro até a cidade insular. Sículo explicou: “Imediatamente ele demoliu o que
era chamado de Antiga Tiro e pôs dezenas de milhares de homens para trabalhar carregando
pedras para construir um dique” (17.40). Curtius Rufus notou: “Grandes
quantidades de rocha estavam disponíveis, fornecidas pela antiga Tiro”
(4.2.18). Esta ação sem precedentes apanhou os tírios de completa surpresa.
Fleming observou: “Em tempos anteriores, a cidade havia se mostrado quase
inexpugnável. Que o método de ataque de Alexandre não fosse previsto não é estranho,
pois não havia precedente para o mesmo nos anais da guerra” (p. 56). E,
contudo, ainda que esta ação fosse militarmente sem precedentes, era exatamente
o que alguém poderia esperar a partir da descrição da destruição de Tiro dada
por Ezequiel, centenas de anos antes das ações de Alexadnre. A cidade
continental foi demolida e todas as suas pedras, madeira e terra foram lançados
no meio do mar.
Esta visão aérea de Tiro mostra nitidamente a ponte terrestre que Alexandre criou. Muito lodo e areia se acumularam através dos anos, ampliando a área do passadiço original. |
Apesar
do fato de os tírios serem tomados de surpresa, eles não desanimaram, porque
não acreditavam que os esforços de Alexandre prevaleceriam. Eles continuaram a
manter a supremacia no mar, e fustigavam seus operários de todos os lados a
partir de barcos que estavam equipados com catapultas, fundeiros e arqueiros.
Estas táticas foram eficazes, matando muitos dos homens de Alexandre. Mas
Alexandre não seria superado. Ele reuniu sua própria frota de navios desde as
cidades próximas e conseguiu neutralizar a eficácia das embarcações tírias.
Com a
chegada da frota marítima de Alexandre, o trabalho na ponte de terra moveu-se
bem mais rapidamente. Contudo, quando a construção da ponte estava quase se
completando, uma tempestade danificou uma grande seção do dique. Recusando-se a
desistir, Alexandre reconstruiu a estrutura danificada e continou a mover-se
adiante. Em desespero, os tírios enviavam mergulhadores para que impedissem a
construção, prendendo ganchos às rochas e árvores do passadiço, causando muito
dano (Rufus, 4.3.10). Contudo, estes esforços pelos tírios não puderam deter o
exército de Alexandre e eventualmente a ponte se estendeu por toda a distância
desde a cidade continental até a ilha. Imensas máquinas de sítio bombardearam
as muralhas de Tiro. A descrição da luta por Sículo é um dos relatos mais
vívidos de uma batalha na história antiga (17.43-46).
Eventualmente,
os tírios foram derrotados, suas muralhas penetradas, e as forças de Alexandre
entraram na cidade e a devastaram. A maioria dos homens de Tiro foram mortos em
combate contínuo. Sículo registrou que aproximadamente 13.000 “não-combatentes”
foram vendidos à escravidão (17.46) [Outros estimam um número ainda maior]. Ao
descrever a devastação da cidade por Alexandre, Fleming escreveu: “Houve
matança geral nas ruas e na praça. Os macedônios se enfureceram pela
resistência obstinada da cidade e especialmente pelo assassinato recente de
alguns dos seus compatriotas; por isso não mostraram misericórdia. Uma grande
parte da cidade foi incendiada” (p. 63).
O
registro histórico secular detalhando a destruição de Tiro por Alexandre
coincide precisamente com a profecia de Ezequiel concernente ao que aconteceria
com seus materiais de construção. Como Ezequiel havia predito, as pedras, a
madeira e a terra da cidade continental foram lançadas em meio ao mar em uma
manobra militar sem precedentes. Para Ezequiel ter “conjeturado” precisamente
esta situação, seria necessário estender a lei da probabilidade além das raias
do absurdo. Sua representação pontualmente exata dos fatos permanece como proeminente
e surpreendente prova da inspiração divina por detrás da sua mensagem.
Aspectos Adicionais da
Profecia de Tiro
Um dos
aspectos mais disputados concernentes à profecia de Ezequiel é a declaração de
que a cidade de Tiro “nunca mais seria edificada” (26:14), e “não seria mais
para sempre” (28:19). O cético aponta para a Tiro moderna e sugere que estas
declarações fracassaram em se materializar. Till declarou: “De fato, Tiro
existe ainda hoje, como qualquer um capaz de ler um mapa pode verificar. Este
óbvio fracasso de um profeta altamente angariado do Antigo Testamento é apenas
mais um prego no esquife da doutrina da inerrância bíblica” (n.d.).
Várias
soluções possíveis desfazem este suposto problema. Primeiro, poderia ser o caso
de que a maior parte da profecia de Ezequiel tratasse da cidade continental de
Tiro, cuja localização é mais provável que tenha se perdido permanentemente e
esteja soterrada sob as águas do Mar Mediterrâneo. Esta solução possui mérito
por diversas razões. Em aproximadamente 1170 a.D., um viajante judeu chamado
Benjamin de Tudela publicou um diário de suas viagens. “Benjamin começou a sua
jornada desde Saragossa, por volta do ano 1160, e durante o curso de treze anos
visitou mais de 300 cidades em uma grande variedade de lugares, incluindo a Grécia,
Síria, Palestina, Mesopotâmia e Pérsia” (Benjamin de Tudela, n.d.). Em suas
memórias, inclui-se uma seção a respeito da cidade de Tiro.
Desde Sidom a jornada é de um dia e meio até Sarepta (Sarfend), a qual
pertence a Sidom. A partir daí, é de meio dia até a Nova Tiro (Sur), que é uma
cidade muito agradável, com um porto no seu centro ... Não há nenhum porto como
este em todo o mundo. Tiro é uma bela cidade ... Na vizinhança encontra-se
açúcar de alta qualidade, pois os homens plantam-no aqui, e as pessoas vêm de
todas as terras para comprá-lo. Um homem pode subir nas muralhas da Nova Tiro e ver a antiga Tiro, que o mar agora encobriu,
estando a um tiro de pedra desde a nova cidade. E, se alguém se importar em
ir até lá de barco, poderá ver os castelos, mercados, ruas e palácios no leito do mar (1907, ênfase
acrescentada).
A
partir deste texto do século doze a.D., então, somos informados de que, por
volta daquele tempo, a cidade conhecida como antiga Tiro estava completamente
soterrada debaixo do mar, e uma nova cidade, mais provavelmente em alguma parte
da ilha, havia sido erigida. George Davis, em seu livro Fulfilled Prophecies that Prove the Bible, incluiu uma foto de
pescadores sírios sob a qual se via a seguinte legenda: “Pescadores sírios
recolhendo suas redes no provável local da antiga Tiro, a qual pereceu conforme
predito pelo profeta” (1931, p. 11). Em sua obra monumental sobre a cidade de
Tiro, Katzenstein mencionou diversas fontes antigas que discutiam a posição da
“Antiga Tiro”. Ele escreveu: “Mais tarde esta cidade foi demolida por Alexandre
o Grande em seu famoso cerco de Tiro, e desapareceu
totalmente, com a mudança da linha costeira criada pelo dique e os
depósitos aluviais que transformaram Tiro em uma península” (1973, p. 15,
ênfase acrescentada).
É bem
provável o caso de que o local específico da antiga Tiro tenha sido soterrado
por areia e água durante o curso dos últimos 2.500 anos, e esteja perdido ao
conhecimento moderno. Que o profeta estava falando sobre a cidade continental, com
respeito a muitos aspectos da sua profecia, tem muito em sua recomendação. Foi para
essa cidade continental que o rei Nabucodonosor mais dirigiu a sua atenção e
medidas destrutivas descritas em Ezequiel 26:8-11. Além disso, foi a cidade
continental que Alexandre destruiu completamente e lançou no mar para construir
o seu passadiço até a cidade insular. Ademais, a citação de Benjamin Tudela
corresponde precisamente à declaração que o profeta fez na última parte do
capítulo 26: “Pois assim diz o Senhor Deus: ‘Quando eu te fizer uma cidade
desolada, como as cidades que não são habitadas, quando eu trouxer a profundeza sobre ti, as grandes águas te cobrirem’”
(26:19, ênfase acrescentada). Ademais, Katzenstein observou que o estudioso
H. L. Ginsberg sugeriu que o nome “Grande Tiro” fosse dado à cidade continental,
enquanto a cidade insular fosse designada como “Pequena Tiro” (p. 20). Ele
ainda notou 2 Samuel 24:7, que menciona “a fortaleza de Tiro”, e comentou que
isto “pode se referir à ‘Antiga Tiro’”, ou à cidade continental (p. 20).
Além da
idéia de que a parte principal da profecia lidava com a cidade continental,
existem outras soluções possíveis que satisfariam suficientemente aos critérios
de que Tiro “nunca mais seria edificada” e “não seria mais para sempre”. Embora
seja verdade que atualmente exista de fato uma cidade sobre a ilha, esta cidade
não é uma Tiro “reedificada”, e não tem nenhuma conexão real com a cidade
condenada por Ezequiel, exceto o seu local. Se a história de Tiro for mais
perfeitamente traçada, torna-se evidente que até mesmo a cidade insular de Tiro
sofreu completa destruição. Fleming notou que, em aproximadamente 193 a.D.,
“Tiro foi saqueada e queimada após um terrível morticínio de seus cidadãos”
(1966, p. 73). Por volta do ano 1085, os egípcios “conseguiram submeter Tiro, a
qual por muitos anos havia sido praticamente independente” (p. 85). Mais uma
vez, por volta de 1098, o vizir do Egito “entrou na cidade e massacrou um
grande número de pessoas” (p. 88). Ademais, a cidade foi sitiada em 1111 a.D.
(p. 90), e novamente em abril de 1124 (p. 95). Por volta do ano 1155, os
egípcios entraram em Tiro, “fizeram um ataque repentino com fogo e espada ... e
levaram muitos prisioneiros e muito saque” (p. 101).
Além
das campanhas militares contra a cidade, ao menos dois grandes terremotos castigaram
a cidade, dos quais um “arruinou a muralha em torno da cidade” (p. 115). E,
finalmente, em 1291 a.D., o sultão Halil massacrou os habitantes de Tiro e
submeteu a cidade a completa ruína. “Casas, fábricas, templos, tudo na cidade
foi entregue à espada, às chamas e à ruína” (p. 122). Após esta grande derrota
em 1291, Fleming cita alguns registros de viagem em que visitantes da cidade
mencionam que os cidadãos da área em 1697 eram “apenas uns pobres miseráveis
... subsistindo principalmente da pesca” (p. 124). Em 1837, outro terremoto
triturou os vestígios da cidade, de modo que as ruas se encheram de escombros
de casas desabadas, a tal ponto que eram intransponíveis (p. 128).
Tendo
estes eventos em consideração, é óbvio que muitas nações continuaram a vir
contra a cidade insular, que ela foi destruída em diversas ocasiões, e que
tornou-se um lugar de pesca, cumprindo a predição de Ezequiel sobre o
enxugadouro de redes. Além disso, é evidente que os múltiplos períodos de
destruição e reconstrução da cidade desde muito tempo soterraram a cidade
fenícia que esteve sob a condenação de Ezequiel. A Columbia Encyclopedia, sob o verbete Tiro, notou: “As principais
ruínas da cidade hoje são as dos edifícios erigidos pelos cruzados. Existem
alguns vestígios greco-romanos, mas nenhum
deixado pelos fenícios encontra-se abaixo da cidade atual” (“Tiro”, 2006,
ênfase acrescentada).
Concernente
à condição atual de Tiro, outras fontes notaram que o “contínuo povoamento tem
restringido a excavação até os níveis bizantino e romano, e a informação sobre a cidade fenícia deriva-se apenas de fontes
documentárias” (“Tiro Antiga ...”, n.d., ênfase acrescentada). Outro relato
confirmou: “Os vestígios escavados são dos tempos pós-fenício greco-romano,
cruzado, árabe e bizantino ... Quaisquer
sinais da cidade fenícia ou foram destruídos há muito tempo ou permanecem
soterrados sob a cidade moderna” (“Fenícia Antiga”, n.d., ênfase acrescentada).
Assim, a única relação que a cidade atual mantém com a antiga do tempo de
Ezequiel é o local, e os edifícios, ruas e outras características atuais são
versões não “reedificadas” da cidade original. Se a profecia de Ezequiel se
estendia à cidade insular do mesmo modo que à cidade continental, pode-se defender
legitimamente que as ruínas que jazem sob a cidade não foram “reedificadas”.
Quando Ezequiel
Profetizou?
Alguns
têm questionado a data da composição de Ezequiel, devido à impressionante
precisão da profecia em relação às suas predições concernentes a Tiro. Contudo,
o livro de Ezequiel possui muita coisa que favorece a idéia de que foi composto
por Ezequiel durante o tempo que alega ter sido escrito. Quando Ezequiel
escreveu seu material? Kenny Barfield notou que, apesar da crença de que a
revelação sobrenatural seja impossível,
nenhuma evidência apóia a tese de que as predições de Ezequiel foram
redigidas posteriormente a 400 a.C. Ademais, o livro (Ez 1:1; 8:1; 33:1;
40:1-4) afirma ter sido composto pelo profeta em algum momento do século sexto
a.C., e Josefo atribui o livro ao profeta hebreu durante o tempo em questão
(1995, p. 98).
Além
disso, Ezequiel foi incluído na Septuaginta, a qual é a “versão mais antiga das
Escrituras do Antigo Testamento” disponível – uma tradução do hebraico para o
grego que foi “executada em Alexandria no século três antes da era cristã” (Septuaginta, 1998, p. i).
Simon
Greenleaf, advogado que é famoso por ter representado um papel importante na
fundação da Faculdade de Direito de Harvard, e por ter escrito o Treatise on the Law of Evidence, escrutinou
diversos documentos bíblicos à luz dos procedimentos praticados em um tribunal
de direito. Ele observou uma das leis primárias concernentes a documentos
antigos: “Todo documento, aparentemente antigo, procedente do repositório ou
custódia própria, e não trazendo em seu aspecto nenhum sinal evidente de
falsificação, a lei presume ser genuíno, e transfere à parte opositora o ônus
de prová-lo ser o contrário” (1995, p. 16). Ele então notou que “este é
precisamente o caso com os Escritos Sagrados. Eles têm sido usados na igreja
desde tempo imemorial, e assim se encontram no lugar onde exclusivamente
deveriam ser buscados” (pp. 16-17). Especificamente com respeito a Ezequiel,
este é exatamente o caso. Se o profeta o escreveu no século sexto a.C., sua
obra está exatamente onde deveria estar, traduzida na Septuaginta por volta do
ano 250 a.C., e mencionada como sendo do período de tempo apropriado por
Josefo, aproximadamente em 90 a.D.
Ademais,
o mundo erudito reconheceu a autenticidade e data original de composição do livro
de forma virtualmente unânime por quase 1.900 anos. Os eminentemente
respeitados estudiosos de hebraico Keil e Delitzsch, que escreveram no final do
século XIX, comentaram: “A autenticidade das profecias de Ezequiel é, nos dias
de hoje, unanimemente reconhecida por todos os críticos. Além disso, não existe
mais qualquer dúvida de que o registro e a redação delas no volume que foi
transmitido a nós foi obra do próprio profeta” (1982, 9:16). De fato, Archer
notou que nenhuma objeção séria à integridade do livro foi sequer apresentada
até 1924 (1974, p. 369).
Objeções à Autenticidade
de Ezequiel Consideradas
Com
respeito às objeções que têm se apresentado, conforme notou Greenleaf, o ônus
da prova concernente à autenticidade de Ezequiel está com aqueles que o
consideram não-autêntico. Contudo, longe de provar tal coisa, eles têm
apresentado sugestões sutis baseadas em supostas inconsistências internas.
Primeiro, estes críticos têm proposto que a obra não poderia ser de um só
homem, visto que algumas seções estão cheias de descrições de condenação e
destruição, enquanto outras ressoam com esperança e livramento. Esta suposta
inconsistência mantém pouco peso, conforme notou Miller:
Naturalmente, este ponto de vista está baseado em considerações
puramente subjetivas. Não existe nenhuma razão inerente que impeça um único
escritor de apresentar ambas as ênfases. Na verdade, virtualmente todos os
profetas do Antigo Testamento anunciam juízo sobre o povo de Deus e/ou seus
vizinhos e depois fazem seguir essa sentença de juízo com palavras de esperança
e restauração futura, se houver arrependimento ... Deve-se estar de posse de
uma perspectiva preconceituosa ao abordar a Escritura para se chegar a tal
conclusão (1995, p. 138).
A
segunda objeção à integridade de Ezequiel tem pouco em recomendação pouco mais do
que a primeira. A segunda “prova” da suposta natureza inautêntica do livro gira
em torno do fato de que, em certas seções, Ezequiel parece ser uma testemunha
ocular dos eventos que estão acontecendo na Palestina, enquanto ao mesmo tempo ele
alega estar escrevendo desde Babilônia. Esta objeção pode ser tratada
rapidamente de uma dupla maneira. Primeiro, seria possível, e muito provável,
que as notícias viajassem desde o remanescente dos israelitas ainda livres na Palestina
até aos cativos na Babilônia. Segundo, e mais provavelmente, se Ezequiel era guiado
por inspiração divina, ele poderia ter recebido a capacidade de conhecer
eventos na Palestina que não via (vede Miller, 1995, pp. 138-139). Levando em
consideração a profecia de Tiro, está claro que Ezequiel de fato
possuía/recebia revelação que lhe permitia relatar eventos que não havia visto
e que ainda estavam por acontecer.
Uma
terceira objeção à autenticidade de Ezequiel na verdade não se mostra ser uma
objeção de modo algum, mas antes uma confirmação da integridade de Ezequiel. W.
F. Albright, o eminente e respeitado arqueólogo, notou que um dos “principais
argumentos contra a autenticidade da profecia” (do livro de Ezequiel – KB) de
C. C. Torrey era o fato de que Ezequiel data as coisas pelos “anos do cativeiro
de Jeoiaquim” (1948, p. 164). Supostamente, Jeoiaquim não teria sido aludido
como “rei”, visto que se encontrava cativo em outra terra e não mais governava
em sua própria terra. Até cerca de 1940, este argumento parecia possuir algum
mérito. Mas, nesse ano, foram trazidas à luz tabuinhas babilônicas contendo uma
inscrição cuneiforme apresentando a descrição babilônica de Jeoiaquim como rei
de Judá, ainda que estivesse em cativeiro (p. 165). Albright concluiu dizendo:
“As datas incomuns em Ezequiel, muito longe de serem indicações de que o livro
não é autêntico, provam a sua autenticidade de um modo mui surpreendente” (p.
165).
Devido
ao fato de que os críticos modernos têm fracassado em assumir o ônus da prova posto
sobre eles para desacreditar a integridade e autenticidade de Ezequiel, Smith
corretamente declarou: “Os estudos críticos do Livro de Ezequiel durante os
últimos cinqüenta anos mais ou menos têm em grande parte se anulado uns aos
outros. A situação agora é muito idêntica a de antes de 1924 (a obra de
Hoelscher), quando a unidade e integridade do livro eram geralmente aceitas
pelos críticos” (Smith, 1979, p. 33). Miller corretamente concluiu: “Todas as
teorias e especulações que trazem em questionamento a unidade e integridade do
livro de Ezequiel são dúbias ... A visão mais convincente é a tradicional, que
vê Ezequiel como o há muito reconhecido profeta hebreu do século sexto e autor
do livro do Antigo Testamento que traz o seu nome” (1995, p. 139).
Conclusão
Tão
precisas foram as profecias feitas por Ezequiel que os céticos foram forçados a
sugerir uma data posterior para os seus escritos. Contudo, tal data posterior
não pode ser sustentada, e a admissão da precisão de Ezequiel permanece como evidência
irrefutável da inspiração divina do profeta. Com o olhar penetrante que só pode
ser mantido pelo divino, Deus contemplou centenas de anos no futuro e instruiu
Ezequiel precisamente quanto ao que escrever, para que, nos séculos posteriores
às predições, o cumprimento de cada detalhe das palavras do profeta não
pudessem ser negados por nenhum estudante honesto da história. “Quando a
palavra do profeta se cumprir, o profeta será conhecido como aquele que o
Senhor verdadeiramente enviou” (Jeremias 28:9). A profecia precisa de Ezequiel
acrescenta mais uma evidência insuperável ao fato de que “toda a Escritura é
inspirada por Deus” (2 Timóteo 3:16).
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Copyright © 2006 Apologetics Press
Fonte: Apologetics Press (http://www.apologeticspress.org)
Tradução:
Rodrigo Reis de Faria